.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

21/04/2025

parabéns. mas pouco – um desabafo contra o calendário

 


nota introdutória

não gosto de aniversários. nunca gostei. esta é apenas uma tentativa [ou desabafo] de entender o motivo — ou talvez de justificar. é um texto pessoal. escrito com liberdade e sem filtros. entre memórias. exageros. ironias e verdades mais ou semi-reveladas. uma viagem que começa no dia em que nasci e que ainda não acabou. não é para comover. nem para entreter. mas se alguém se reconhecer aqui. então talvez não esteja sozinho


nunca gostei de fazer anos. uns dias antes da data já começo a sentir-me inquieto. quero fugir do mundo. principalmente de quem sou. fazer como a avestruz. enfiar a cabeça na areia e fingir que estou hibernado para a verdade: como se não envelhecesse mais – também já me ocorreu fugir para mercúrio. não para a lua ou marte. estes ficam ao pé de casa. digo mercúrio porque está mais próximo do sol. sinto-me mais enxuto. com pensamentos mais aconchegados a mim. e aos outros também. e quando tiver saudades da minha casa. basta olhar para a viagem e talvez me consiga ver por um binóculo – mercúrio para mim não é um planeta. é um SPA celestial. onde vou a banhos. atiro-me para dentro da banheira granítica e cubro-me de água até o corpo tomá-la como sua. transformo-me numa tartaruga gigante de galápagos e passo a viver sem urgência – alcançar o melhor de mim é agora uma questão de tempo – já cheguei acreditar que era o planeta onde era possível lavar as feridas com mercurocromo. e que. com alguns dias de tratamento. regressava ao corpo purgado de todas as feridas do ano que deixava para trás – apenas desejei um aniversário. o da maior idade. nesse dia em que me tornei dono de mim. mesmo vivendo à custa do meu pai. prostrei-me inteirinho à porta da escola de condução serra. tirar a carta de condução seria o meu maior feito. grande não sei. mas tão desejado tenho a certeza – o meu pai já me tinha comprado um carro em segunda mão. um NSU TT. branco. pronto para competir comigo o tempo. tinha-o guardado na nossa casa da aldeia. só esperava pelo selo oficial do instituto da mobilidade e dos transportes. IMT que chegou no final de agosto – quem é que tinha um pai assim? ninguém. o meu pai vivia a minha juventude como se fosse a dele. talvez por não a ter tido. talvez por não ter envelhecido amargurado com a vida e a aceitar tal e qual como aconteceu – viver e sorrir era para ele mais do que suficiente – foi pena não ter envelhecido um pouquinho mais depressa. talvez ainda fosse a tempo de lhe dizer que era um pai excecional. o melhor. e que faria de tudo para ser o mais parecido com ele – depois desse aniversário não me lembro de mais nenhum que me fizesse tão feliz – em memória do trigésimo terceiro aniversário. e no meio da nostalgia pensei: cristo morreu com esta idade. é melhor pôr-me de soslaio. pode haver para aí um judas. sei que não valho trinta moedas. mas da forma como está a vida. vendem-me por tuta e meia a um qualquer herodes. e sem saber como. apareço pregado numa cruz. nem precisam de um carpinteiro para a fazer. já carrego a minha de nascença. só precisam de passar pelo leroy merlin para comprar uns pregos – que sejam ao menos de inox para não enferrujar. tenho pavor do tétano – mas não pensem que nunca tive um aniversário feliz. tive um. sim. sei que não foi coisa de monta. mas deixou-me momentaneamente feliz. um instante precioso no meio da minha história amarga com os aniversários – não sei com que idade aconteceu ao certo. mas vamos imaginar. eu gosto muito de imaginar coisas. e nesse gesto solene de soprar as velas. encontrei um contentamento improvável. eu explico: acreditava. na minha modéstia interior. que estava a comemorar a entrada nos quarenta e oito anos. e claro. triste. em agonia absoluta. sei apenas que tinha somado mais um ano. e foi nesse momento trágico de soprar as velas que se deu o contentamento. eu explico: acreditava. na minha modéstia interior. que estava a comemorar a entrada nos quarenta e oito anos. e claro. triste. em agonia absoluta. quase a morrer. os festeiros acendem as velas do bolo de aniversário para cantar os parabéns. alegrar-me um pouco. e é nesse preciso instante da combustão do fósforo. que consigo perceber que os números nas velas me indicavam menos um ano – foi quando me informaram. não fazes quarenta e oito. mas sim quarenta e sete – foi um grande momento. apoteótico. fiquei eufórico. afinal teria mais trezentos e sessenta e cinco dias com a idade que pensei já ter perdido – foi muito bom. e sim. foi um grande aniversário – há três anos fugi com a maria joão para o exterior do país. desliguei os telefones do mundo. e passei o dia todo deprimido. perdi-me dentro de mim e confesso que não foi fácil encontrar a saída para a realidade – o problema é que no regresso a casa foi levado a audiência familiar pelos filhos. noras e netos. e tal como num tribunal com jurados. não houve misericórdia para a minha disfunção com aniversários. fui considerado culpado por unanimidade. e proibido de reincidir na proeza. isto é. tenho que aguentar o vómito nostálgico do aniversário. e se este assolar à boca. o remédio é engolir. para fora é que não pode passar nada – ninguém me compreende. ninguém teve compaixão pelo meu sofrimento. é a minha cruz – hoje é então o dia do meu aniversário. e pensei. que podes fazer para te alegrar? não acredito que possa fazer grande coisa. mas comecei a pensar em como teria sido o dia da minha família quando nasci – a minha mãe deve ter pensado: estou metida num grande sarilho. pelo jeito que eu berrava de mau feitio. nasci com fome de tudo. não prometia nada de bom – e  renovou o pensamento: acabou de chegar e já protesta. mau feitio. não vai ser fácil aguentá-lo – o meu pai. que não via problema em nada. tudo se resolvia com dois dedos de conversa. deve ter-se interrogado pela primeira vez: este não vai com palratório. pelo ar enfunado que chegou creio que vamos ter problemas. talvez o melhor seja entregá-lo à caridade – não o fez. tramou-se. levou com a minha irreverência a vida toda. para não falar na vontade de ser dono de mim mesmo vivendo aos seus custos –era um jovem muito à frente para a época. só hoje é que surgem jovens com a mesma tara. protestar por tudo e por nada enquanto vivem na casa dos pais – os meus irmãos acredito que passaram o dia todo a agoniar. principalmente a minha irmã. que já tinha treze anos. e percebeu rapidamente que eu seria o seu maior problema. a sua adolescência seria preenchida a dar o biberão e mudar as fraldas – já o meu irmão. com onze anos. deve ter entrado em pânico e pensado: acabou o sossego. acabou o gira-discos. acabou o chá-chá-chá. acabaram os beatles. esta casa vai virar convento. tolerância zero para o barulho. nem um espirrozinho. não se pode acordar o menino – restou-me a lurdes. esta foi a única que me recebeu com um sorriso. percebeu rapidamente que enquanto tomasse conta de mim não cozinhava. não passava a ferro. muito menos lhe berravam. tinham medo de acordar o mau feitio – foi assim que cheguei ao mundo dos humanos com consciência. já era humano na barriga da minha mãe. mas não tinha consciência do que me estava reservado – então. essa minha irmã que quando nasci tinha mais treze anos. hoje. continua a garantir essa diferença de idade. o que é fantástico e faz muito feliz – mas o grave é que me ligou a dar os parabéns. o que me pôs logo o corpo a contorcer-se com dores de aniversário – atendi. e perguntei-lhe se estava a ligar por causa do meu aniversário. disse-me que sim. o que fui obrigado a responder-lhe: é preciso muita lata estares a ligar para dar os parabéns. sabes bem que não gosto. nunca gostei – mas é a minha irmã mais velha. e como já não sou irreverente. quer dizer. sou ainda um bocadinho. mas nada como antigamente. disse-lhe obrigado. mas escusavas de te maçar. e mais uma vez tentei explicar o porquê de não gostar de aniversários: o motivo é simples. mesmo sabendo que os sintomas têm vindo a piorar: sinto um gajo todo físico. com aqueles músculos que parecem inchados. como se tivessem sido picados por abelhas asiáticas. ou então enchidos com bomba de ar. como se fosse um pneu prestes a rebentar. em que os gajos ao sair de casa passam pela estação de serviço. dirigem-se à máquina de ar. enfiam o tubo na válvula e metem 40 bares de pressão. é quando olhas e vês aqueles gajos todos encurvados dos braços. com os músculos esgaçados à força nas mangas da t-shirt. em agonia – muito braço para pouca manga – mas voltando à história com a minha irmã. dizia-lhe que sinto um gajo todo musculado atrás de mim a empurrar-me para o precipício. e se no passado o energúmeno empurrava e eu não via perigo. sabia do precipício. mas não o via. agora é diferente. eu já consigo vê-lo. e por perceber que mais tarde ou mais cedo vou ter problemas com o tombo. quero adiá-lo o mais possível – bem enterro os pés no chão. mas mesmo assim o brutamontes insiste em empurrar-me. e se fosse só o empurrão. ainda goza comigo. está sempre ao meu ouvido a dizer: vais-te foder – e sim. um dia isso vai acabar por acontecer. mas talvez tenha uma surpresa… mando-o foder. e atiro-me eu de livre vontade à minha liberdade – quero ver com que cara é que ele vai ficar – e assim chego ao fim do meu aniversário. com a certeza de que nada seria sem a família e amigos – os amigos são cada vez mais importantes. estou na fase de os escolher bem. os melhores. serão aqueles que estarão mais próximos das fragilidades que o corpo irá acolher – já o escrevi. mas nunca é demais dizê-lo. não quero perder mais amigos. os que estão por perto que continuem por louvação. mas se tiverem que partir. que mo informem. ainda acredito que só não há solução para os defuntos – mas também tenho cada vez mais certezas: os erros em mim são persistentes. alguns irreparáveis. mas o que me torna um homem bom justifica que continuem por perto entretanto e enquanto a viagem dura o que entendo ser verdadeiramente importante. é manter ainda mais perto aqueles de quem gosto e me fazem ser o que sou: a família. filhos. noras e netos. estes num círculo apertadíssimo mais a minha MJ e a lurdes – num segundo anel circular a restante família. estes. são para mim uma honra enorme tê-los na linhagem – a minha vida é como escalar o monte everest – tal como a vida não é possível chegar ao cume de uma só viagem. tem que ser como etapas. um pouco como os aniversários. a família e os amigos não chegam todos de uma vez. é necessário esperar. conquistá-los. e instalá-los dentro de nós até eles se sentirem acolhidos – a penúltima base antes de atingir o cume do monte everest é o campo 4. também conhecido como south col – este acampamento situa-se a cerca de 7.920 metros de altitude e marca o início da chamada “zona da morte” – é aquela em que estou agora. a olhar para cima e perceber que estou cada vez mais perto do céu. onde o ar rarefeito e as condições extremas tornam a permanência prolongada perigosa – a família é o meu oxigénio. é por ela que teimo em chegar ao topo do meu mundo. e quando lá chegar. perceber que  deixei para trás tudo o que realmente importa. cada um deve trilhar o seu caminho com total liberdade – quando se envelhece um pouco mais a sociedade tem o seu padrão de envelhecimento. não se deixem ficar reféns dessa teia de hábitos e expectativas. envelheçam com ousadia. sejam corajosos para serem cada dia mais vocês. e menos os outros – tenho um amigo que me ensinou a mandar o mundo para o topo do mastro. ao princípio não foi fácil compreendê-lo. mas aos poucos a ideia foi cada vez mais aceite pela minha consciência verdadeira e livre. o que sempre ambicionei ser.  e agora já mando muita gente para o… topo do mastro – de mim quero apenas que fique uma memória serena de quem tentou ser inteiro – agora vou descansar deste aniversário. já só tenho trezentos e sessenta e quatro dias. e se passarem tão rápido como este. o drama repete-se em breve. abril é já ali – espero que o universo se alinhe e me castigue com mais crueldade – até 2026

 


08/04/2025

onde a luz não chega

 



é noite. tão profunda como o buraco negro que vive em mim – sofro. importuno a alma. treslado-a para um escuro que é só meu. cerrado. denso. de meter medo. e as escadas em caracol alumiadas por séculos de gente com o meu nome – sombras que nunca conheci. sobra-me um avô. e os meus pais – estes. resistem na memória – o que me leva ao abismo do medo. onde me interrogo: porque não sou um pouco mais digno desta herança? no escuro não se vive. sobrevive-se. alimentámo-nos de tortura. de um fel que se torna insuportável. e ali fico a perguntar-me: o que me falta nas mãos para ser merecedor na consciência? mas a escuridão impiedosa esmaga-me. arranca-me a carne dos ossos. e os gritos silenciosos ecoam como lâminas. retalhando-me o pouco que sobra de fé. humilhando-me. obrigando-me a suplicar por finamento. por alívio. por consolo. por compreensão. por aceitação para a sua última vontade – com o nascer do dia guardo a dor. sei que preciso dela para a próxima noite. sem ela não existiria. seria vazio. imbecil. um tolo. perdido na ausência de sentido – seria algo pior? tenho a certeza que sim – o que sei é que um homem com dor ainda não faleceu – por isso. como leminski escreveu. repito: não me toquem nessa dor. ela é tudo o que me sobra. sofrer vai ser a minha última morada – sei que sou feito de dor. mas também de resiliência. as duas juntas. fazem a história da minha vida – esta. é a herança que irei deixar para me perpetuar no tempo dos meus filhos – desistir… nunca



19/03/2025

um dia. um pai. para sempre






1.

hoje. dia do pai. faz vinte e sete anos que o meu pai desceu ao ventre da terra – é dia de recordá-lo – nenhuma homenagem é suficiente para um pai – mas eu dei o meu melhor para que os meus filhos o recordem. digo. para que nunca o esqueçam. porque era um homem bom – e como fazem falta homens bons neste mundo

2.

o algodão doce dissolve-se aos poucos. e nas mãos resta apenas um pauzinho despido de açúcar – os olhos percorrem a romaria. os carrosséis giram. e eu de mão dada com o açúcar. sem saber ainda que por cada balão solto no céu. partia um dia de infância – e os lábios sugando vida. e o céu ainda azul. e os olhos a girar como os carrosséis. e os sonhos presos ao destino: um dia quero ser grande e ter um carrossel só meu – o açúcar na mão. efémero como as nuvens no céu. e a boca a sorrir. as mãos a pedir primavera. o corpo deitado para o dia seguinte. imaginando que tudo é eterno. que o que é dos olhos fica guardado para sempre. porque cada dia parece apenas um dia – os lábios presos ao algodão. e eu preso à mão que julgava eterna – até o açúcar azeda. até a doçura se esgota nas mãos que fogem para um destino que não controlamos. e o que era para sempre são agora memórias que me recuso a perder – hoje é o dia do pai e os carrosséis continuam a girar dentro de mim. e eu a girar em torno do algodão doce. sou o filho pedindo ao pai de hoje que não esqueça o pai das romarias. sou o pai pedindo aos filhos de hoje que não esqueçam o avô do algodão doce – eu cresci em festa – quando somos crianças. não sabemos que o açúcar. tal como os balões. sobe ao céu e nunca mais volta – tudo gira. os carrosséis. os romeiros. o homem dos balões. e a criançada garante à candura que o açúcar sem balão não chega ao céu – e as palavras a girarem de boca em boca enquanto os altifalantes gritam música que ninguém sabe quando termina – não há festa sem ruído. e não há ruído que o silêncio não acabe por engolir – ninguém quer saber de que árvore nasceu aquele pauzinho. ninguém quer saber que fruto deu. ninguém quer saber quem foi o lenhador que a cortou. ninguém quer saber da clorofila. ninguém quer saber de nada. mas aquele pauzinho é mais do que madeira. é mais do que um resto. são todos os filhos que recordam o seu pai. cada um tem a sua árvore. e cada árvore com o seu pedaço de terra sagrado – o meu pai escondeu-se de mim há vinte e sete anos. era dia do pai. hoje continua a sê-lo. porque todos os dias são dele. e a memória já não tem a certeza de quanto pesa um dia perdido no vazio do universo – quero acreditar que o tempo só conta para os que resistem. só vale para os que sobrevivem à dor – um dia. noutra dimensão. os anos serão apenas um sopro. o instante de uma chama acesa. e a luz iluminará para sempre o dia em que os carrosséis giravam sem pressa. sem rumo. porque. por mais voltas que dessem. o ponto de partida e chegada era sempre o mesmo – ali. naquele instante onde um filho se torna estrela aos olhos de um pai – esta luz que trago não é minha. é a dele. iluminando o caminho que ainda me falta percorrer para voltar ao seu lado – porque o caminho em falta é o nosso caminho – e assim continuará a ser: a família é uma âncora que nos prende à terra e à memória – feliz dia do pai!


01/03/2025

pratos rachados

 



no passado. há muito. muito tempo. quando os pobres eram realmente pobres e miseráveis. se um prato ou travessa se partia. colavam-no com resina. e de seguida. fixavam-lhes alguns agrafos para garantir que não voltaria a quebrar – cada prato era um bem precioso. faltava dinheiro para comprar comida. quanto mais para loiça – os tempos mudaram. e com eles. as nossas prioridades. hoje. qualquer pessoa pode comprar um prato. ninguém cola nada. o que se estraga vai para o RSU – é tudo descartável. a comida sobra vai para o lixo. o tempo sobra vai para as redes sociais. as amizades valem tanto quanto um like. os melhores amigos transformam-se em produto tóxico de um dia para o outro. os pais zangam-se com filhos. irmãos com irmãos. e a família a desmoronar-se como a torre de babel – os casais modernos evitam sacrifícios. trocam sentimento por aparências. compram amores descartáveis. como se fossem pacotes de dados móveis. só para impressionar os amigos. os colegas de trabalho ou a família. e quando a conexão se esgota. trocam por outro plano. com mais minutos e menos compromisso – tudo isto para vos dizer que as relações são como pratos rachados. podem ser coladas. mas a cicatriz do rompimento nunca desaparece. atenua-se com o passar do tempo. sem nunca desaparecer por completo – e a rachadela está ali para sempre. aos poucos. esmaece. escurece. só quem olha com atenção percebe que a imperfeição nunca desaparece. e acabamos acreditando que. talvez. essa fragilidade sempre estivesse ali. desde a fabricação – hoje. já ninguém aproveita nada. não há gratidão. nem honra. e o perdão é coisa dos livros sagrados – vemos casamentos a terminar ao fim de um par de anos. mulheres e homens cada vez mais preocupados apenas com o seu sucesso profissional. relegando para segundo plano os seus conjugues. os seus filhos. a família. e os seus amigos – e. neste ritmo acelerado e superficial. acabamos por esquecer aqueles que mais precisam de nós – vivemos todos para um sucesso aparente. trocado por uma felicidade mentirosa e frágil – é assim. e nada mais do que assim. os pais esquecidos. os filhos esquecidos e a sobreviverem de casa em casa. e a promessa de os proteger de todos os males resolve-se com silêncio e ausência – os amigos  partem sem deixar um adeus. olham para trás sem saber contar pelos dedos o valor de cada palavra. cada momento. cada ano. e a volatilidade é agora mais instantânea do que éter. acorrentada ao egocentrismo. e à falta de empatia – mas a maior doença da humanidade é a manipulação pela mentira. a indiferença pelo sofrimento. o perdão pelo erro. e a total ausência de gratidão e respeito pelos outros – passamos todos rapidamente ao tal produto tóxico – ainda há pouco tempo. eu escrevia sobre a necessidade de não querer perder mais nada. principalmente amigos. mas o tempo pode ser também uma traição. temos que estar preparados para tudo. principalmente para a ingratidão e perdão – hoje. percebo que tudo que surge sem tempo de amadurecimento. respeito pelas diferenças. e compromisso com a verdade. desaparece rapidamente – os ditos amigos raramente buscam a verdade; querem distração e absolvição. como num confessionário. rezam três pai-nossos e duas ave marias – saem em paz e regressam para pecar – o pior é que ainda acreditam que com um sorriso curam qualquer mal. ou então meia dúzia de palavras sem sentido. usadas pelos nossos antepassados. num arcaísmo obsoleto. e em desuso nos nossos dias. e que na sua ignorância saloia. manuseiam para tentar enganar o que resta do mundo ingénuo – mas percebo que ser autêntico de nada vale quando os outros se ocultam em passados nebulosos. muito menos vale dizer a verdade. se a maioria deseja apenas bajulação – querem ser enaltecidos pelo que não são. carregados de virtudes que não têm. e respeitados pelo que julgam valer. mas raramente valem o que imaginam – um homem honrado. na maior parte das vezes. é obrigado a sacrifícios. a muita humildade e gratidão. a bater com a mão no peito e dizer: por minha culpa. tão grande culpa. a sofrer pelo erro. a pedir perdão a si mesmo e aos outros. e mesmo com os novos propósitos do mundo moderno. estas virtudes devem ser valorizadas. cultivadas e respeitadas. mas não são – esta malta que aparece do nada vive o momento. e à primeira dificuldade esquece tudo. como se o que valesse fosse aquele ar de quem não carrega o mundo às costas. com sorrisos mal adornados. numa felicidade tão grande que. se fosse verdade. deixaria qualquer ser humano invejoso e a perguntar: por que raio não tenho eu uma felicidade assim? eu aprendi que o amor e as amizades necessitam de alicerces fortes. baseados na verdade. na comunicação. e no perdão. é nossa obrigação também ouvir. colocar-se no lugar de quem nos fala. e perceber que nada pode ruir por uma palavra perdida – viver também é seguir em frente. a não ser que o seu íntimo se estruture na falsidade e se esconda no passado – todos precisamos de um amor que nos trate com afeição. respeito e atenção. de uma família que nos ame. e de um amigo que nos ouça e nos socorra quando a brisa vira ventania. todos precisamos de nos sentirmos humanos e visíveis – o amor com a minha companheira é feito de tempo. de um abraço. de um olhar. de rir muito das palermices que só os dois conhecem e valorizam. de chorar juntos para a dor ser menor. ou apenas dizer: hoje estás bonita. ou estar no sofá e num impulso olhá-la e sentir uma palpitação. sentir o corpo todo a ser preenchido de uma sensação boa. sem que o seu amor imagine como aquele microssegundo preenche quarenta anos de mão dada – para se amar. é preciso ter capacidade de sacrifício. optar pelo que está certo. não hoje. mas daqui a um dia. a dez. ou vinte anos. perceber como bate o coração de medo só de pensar que a podemos perder. e rogar ao destino que seja o próprio a deixar saudade – é preciso amar a nossa companheira. compreender e aceitar que todos os dias o amor vai exigir compromisso. pois só assim o belo se torna mais belo. mesmo nos dias de silêncio – eu tenho o meu belo. a minha companheira tem o dela. difícil é fundir um ao outro. felizmente para nós basta apenas uns retoques e temos a obra tão perfeita como a pietà de michelangelo – lealdade. perdão. compromisso. verdade. comunicação. bondade. e companheirismo é a receita para tudo. também para as amizades. e quando assim é. os casamentos são para sempre. a família é para sempre. e os amigos são para sempre – e sim. é melhor aceitar as perdas inevitáveis do que viver alimentando ilusões sobre o que nunca foi real – no fim. aceitamos essas perdas. como pratos que nunca mais colamos. porque. mesmo que tentemos. sabemos que certas rachaduras estarão sempre lá – talvez seja isso que nos torna humanos. a busca constante por remendar o que já foi quebrado. mesmo sabendo que nunca voltará a ser como antes – nunca irei desistir da minha companheira. da família. dos amigos. encontrarei sempre um pouco de resina para colar o que a vida quebrou – é assim. e nada mais do que assim

 

11/02/2025

é urgente o amor





 


preciso de te amar

sem demora

sem que uma palavra tua me faça parar

sem que uma mão tua me possa amarrar

sem que os teus olhos me digam

já é tarde

 

o amor é urgente

mas não pede pressa

nem loucura

nem um corpo que se perca

no fogo do desejo

 

tudo isto é um poema de amor

para ser lido sem demora

porque o amor é urgente

e nunca espera

 


07/01/2025

carta a uma amiga

 




espero que a cada dia que passe a solidão se torne num chocolate quente. revigorante e reconfortante – hoje comecei a ver uma série na netflix – renascer – passa-se em florença onde uma jovem procura renascer para um novo desafio. estudar arte – acabei por me lembrar de ti. do teu gosto pela história. pela arte. pelo belo. bastou isso para me levar de volta a veneza. onde a beleza de séculos resiste à modernidade. entre canais silenciosos e pontes que guardam histórias. permitindo que nós quatro fôssemos felizes – nunca tive um amigo que gostasse de arte. o que. hoje. acredito. foi a minha tragédia grega – a maior parte dos meus amigos sempre procuraram o belo nas mulheres. nos carros. e no futebol. eram outros tempos – o que se pode fazer quando somos novos e procuramos aceitação e sucesso? nada. a não ser. ser um deles. mesmo que muitas vezes num silêncio-crítico – florença é uma cidade belíssima. onde fruto do meu trabalho me levou dezenas de vezes. todos os anos. e foram vinte – vinte anos é muito tempo. mas eu não sabia – o mais engraçado é que. durante a visualização dos episódios. teletransportei-me para florença: passei a revisitar alguns daqueles lugares mágicos. e senti uma nostalgia que era quase dor – queria mesmo estar lá. no berço do renascimento. sorver toda aquela magia da família medici. de leonardo da vinci. de michelangelo. do campanário de giotto. da cúpula de brunelleschi. da ponte vecchioe. e o inesquecível pôr do sol na piazzale michelangelo com o céu a adquirir as tonalidades de laranja. rosa e paz – mas o mais engraçado. ou talvez não tão engraçado assim. é que percebi que daquele miúdo não resta nada. digo. quase nada. cresci e fiz as pazes com o tempo e com o novo homem que despertou em mim – hoje. nesta série que é um romance entre dois jovens. compreendi que vi mais de florença sentado no meu sofá do que em todas aquelas viagens idiotas – sempre procurei o belo. mesmo quando trabalhava a confecção das peles. mas infelizmente não sabia nada de arte. talvez me faltasse uma amiga para me apontar o belo dos artistas. das sombras e da luz – dizem que o meio onde crescemos acaba por determinar o que somos – acredito que seja essa a minha verdade. nasci numa fábrica. filho de patrão. mas nunca me senti patrão de coisa alguma. nem de mim. mas era o meu meio. a família sempre foi o único lugar onde me senti perfeito – mas é o que é. e com o desenrolar do filme. dei comigo a magoar-me por cada ano estragado. e a interrogar-me: quanto tempo me sobra para ser o que quero ser – não sei. como ninguém sabe. mas sei que não devemos estragar o que a vida nos oferece. e no meu caso. não foi pouco. mesmo sentindo que não foi totalmente justa – lá terá as suas razões – e. agora. cheguei a uma idade que já não aceita renascimentos. o novo homem envelheceu. cresceu em demasia – a memória é a única fonte de conhecimento. eu tenho a minha. e esta leva-me ao arrependimento. tardio bem sei. mas é ao que me apego. descobrir em mim os enganos para que os meus filhos os contornem sem sobressaltos – mas se não fosse este caminho. duro. e eu sofri imenso. ainda sofro. mesmo já se tornando um hábito que aparece todas as noites. e se cura com o amanhecer. ou com uma aspirina de fé. como teria conhecido tanta gente boa que passou por mim e vive em mim – é a isso a que me agarro. às pessoas que me chegaram por bem. aos amigos que me aceitam como sou. à maria joão. minha companheira de riso e sofrimento. aos filhos que são uma bênção. às noras que adoro. e agora aos netos. que me tornam pai duas vezes – é o que me sobra para ser feliz. e não é pouca coisa – e quando te escrevo este pequeníssimo desabafo estou a ser feliz – tu e o teu companheiro fazem parte das minhas boas memórias – foi pena não vos ter conhecido trinta anos antes. talvez me procurasse melhor. quem sabe. florença tivesse sido a cidade que encontrei hoje – amarremo-nos então ao que sobra. às vezes acho que é pouco. mas talvez esteja a ser mal-agradecido – falta de gratidão seria tão grave como perder a memória. pois ambas são fontes de conhecimento que devemos preservar – é na memória que guardamos todos aqueles de quem gostamos – saber que existiram na minha vida é fazerem parte do meu belo



30/12/2024

o que ficou para trás. lá trás permanecerá – bem-vindo 2025

 




estamos às portas de mais um ano. o que significa que também ficaremos um ano mais velhos. para mim. cada aniversário é um desafio emocional. mas sei que faz parte da caminhada. a sorte é que todos envelhecemos juntos. ninguém fica para trás – 2024 foi um bom ano. considero-o um ponto de partida. se fosse uma corrida de fórmula 1. diria que fui às boxes para trocar de pneus. agora. quero chegar o mais rápido possível a um lugar que não sei onde fica. mas sei que preciso de continuar a corrida – o fim de um ano permite-nos fazer reset: apagar o que foi de menos bom. reabastecer a alma de esperança.  e acreditar de que o próximo ano será ainda melhor. dar aquele passo que sempre tememos. dizer finalmente aquela palavra guardada para momentos especiais. concretizar o negócio que sempre ansiamos. ou então dar muitos abraços a quem merece. e quem sabe. encontrar aquela pontinha de sorte que tantas vezes sentimos faltar ao longo da vida – quem sabe. em 2025 eu seja agraciado com um momento de sorte memorável. mantenho a fé – todos na minha família tiveram saúde. que é sempre a base essencial para a felicidade e sucesso. por isso. sinto-me sempre um pouco ingrato quando me lamento de algo mais penoso. é necessário lembrar que a gratidão harmoniza todas as dificuldades – eu e a maria joão seguimos na nossa caminhada. envelhecemos juntos. acreditando que assim será até ao último dia – no trabalho. essa coisa maldita que nos tira os sorrisos. continuamos os dois com a nossa luta. teimando para que o nosso sonho continue a ser o aditivo que nos sustenta. com força. empenho e resiliência – não tem sido uma caminhada fácil. mas também já não temos idade para ter medos. viver é isto: sofrer. rir. sonhar. chorar e recomeçar tudo de novo quando o nosso castelo desaba – com a chegada do réveillon. chega sempre o natal. e como sempre. especial. vivemos o ano à espera desse dia. há algo transcendental em juntar a família numa comunhão de amor cristã. mesmo que a minha fé já se tenha perdido – o natal também é importante para recordar os que já não estão entre nós. e há tanta gente que gostaria de ter a meu lado – revê-los é sempre uma saudade açucarada – por isso recordo a minha cunhada zeza com aquele sorriso feito de leveza. inocência e vaidade. ainda deve andar por aí a ver as montras – o meu sogro. nunca mais tivemos na família um silêncio-doce como o dele. que nos permitia perguntar: será preciso tanta palavra para demonstrar o quanto nos amamos? lembro-me também do tio joão. já passaram tantos anos desde o seu desaparecimento. mas sempre que preciso de um exemplo de tolerância e conhecimento. é ele que me vem à memória. que privilégio foi herdar este legado invisível. mas ainda hoje tão presente – por último os meus pais. tenho tantas saudades deles. mas tenho a certeza de que o pai antónio lopes e a mãe carolina lopes. onde quer que estejam. estão orgulhosos do seu legado. de nós todos – eu também estou muito orgulhoso da nossa família. principalmente desta que construí com tanto amor e sacrifício. confesso que não foi fácil. mas só foi possível graças aos filhos. noras e netos. únicos e que tornam a nossa história memorável – é a única obra de que me orgulho. sempre que os vejo. reluzem como as estrelas na noite. como diamantes polidos pelo tempo. sei que são as minhas sementes. e também sei que irão dar vida a outras sementes. e assim a nossa história continuará a florescer no tempo – 2024 permitiu que o meu filho luís. o primogênito. realizasse mais um bonito sonho. bem sei que é fruto do seu talento e esforço. e também da parceria com a sua esposa. minha nora andreia. que é uma filha para nós. gostamos imenso dela. trata-nos com muito carinho. se pudesse escrever como isso nos deixa felizes e tranquilos. mas não tenho essa arte. o nosso filho não poderia ter encontrado melhor companheira – o meu filho do meio. pedro. está de vento em popa com o seu negócio. ele também é especial. um trabalhador incansável. lembro-me de dizer à mãe: no estudo pode não ser um aluno de vinte. mas vai muito além disso pela sua dedicação e esforço. só não se deve lamentar. mas antes agradecer a vida que conquistou – é apenas um pouco nervoso. juro que não sei a quem sai. ou talvez saiba. por isso espero que o novo ano lhe traga mais tranquilidade. a vida não pode ser apenas uma correria desenfreada. onde obrigamos aqueles de quem gostamos a correr a nosso lado. às veze é preciso parar. respirar. que é o mesmo que dizer refletir. e aprender a caminhar juntos. ao mesmo ritmo com que amamos. e perceber que quando vamos juntos podemos não ir tão depressa. mas vamos com toda a certeza mais longe – mas na nossa família a gratidão é permanente. e. finalmente. o meu filho encontrou um ombro onde pode descansar. a sua companheira. isabel. para nós bela. que para além de ser divertida. trouxe a nossa casa algo que nos faltava: diversão. alegria nas coisas fáceis. leveza. olhos a sorrir. e uma paciência enorme de fazer do seu marido um homem mais tolerante e calmo – estamos muito gratos por ter escolhido a nossa família – o meu filho. joão. o mais novo. depois de muitos anos de dedicação e esforço ao estudo. doutorou-se neste belíssimo ano. nós pais realizamos mais um desejo. e quanto orgulho. eu e a mãe estamos felicíssimos. e com casamento marcado para setembro. tenho a certeza de que 2025 será o ano de um novo recomeço para ele. a minha futura nora. sofia. nora. já posso chamar nora. é agora parte da nossa família. é nela que confiamos para fazer do nosso filho um homem feliz – a nossa nora é determinada. desenhou o seu percurso profissional a régua e esquadro. mas também com muito sacrifício. e tem demonstrado uma força admirável para alcançar todos os seus objetivos: querer ser todos os dias um pouco melhor – adoramos essa ambição – a excelência é uma roda que nunca para de girar. nessa rotação. há momentos que nos esmaga contra o solo. mas o importante é aproveitar o restante da roda para completar a circunferência junto das pessoas que gostam de nós – estamos todos impacientes por essa boda. que será um marco inesquecível para as duas famílias – esperamos que seja para sempre. na nossa família todas as uniões têm sido para sempre. mesmo sabendo que. a partir desse dia. ficaremos novamente sozinhos. ao fim de 40 anos. seremos novamente dois numa casa – mas. para o fim. está reservada a melhor notícia: vou ser avô mais uma vez. e logo de uma carolina. nome da minha mãe. pedro e bela. quando essa princesa nascer. a vossa vida vai mudar para sempre. mas saibam que essa mudança será repleta de sentido e alegria. se souberem acompanhá-la de perto com resiliência. muito amor e também muitos sacrifícios. quando chegarem à minha idade irão perceber que nada no passado mudariam. vê-la feliz será o vosso maior desafio. e também o vosso maior legado: a única obra que nunca acabará enquanto forem vivos – e agora a lurdes. que com 85 anos  mantém uma memória vívida de juventude. só as pernas é que a traíram. mas ela mesmo diz: é a vontade de deus. ele lá sabe o que faz. e está em todo o lado – 2025 será um ano muito bom para ela – a lourdes não teve filhos para levar ao altar. mas terá o privilégio de ser a madrinha do meu filho. e irá levá-lo até o cimo da igreja. quanta honra para ela. mas também para nós – a lourdes é da nossa família e do nosso sangue. todos a amamos profundamente. e ela sabe o quanto é essencial para nós – a lourdes foi sempre uma luz de proteção para a minha família. sempre se deu muito bem com o seu deus. são unha e carne. mas para mim. foi muito mais de que uma luz protetora e divina. foi a minha segunda mãe. nunca me desamparou quando o mundo desabava à minha volta. e hoje é a “vó” dos meus netos – para nós. o que espero de 2025 é o mesmo que pedi em 2024. muita saúde para todos. e se puder ser. se não for pedir muito. um pouquinho mais de sorte e tranquilidade. nós precisamos. começamos a estar um pouco cansados – por último. não posso esquecer os amigos. são também eles que nos dão colorido à vida. e para eles. o mesmo desejo. saúde e dinheiro até não aguentarem mais –  muito já foi dito. mas vale a pena reforçar por ordem de chegada. e para que fique registado para a eternidade. aqui ficam os seus nomes: o meu amigo paulo. estou-lhe imensamente grato. aturar-me durante quarenta anos não é para qualquer um. mas é uma honra ser seu amigo – miguel e cristina. a velhice é um posto. já lá vão mais de doze anos. a amizade é feita de tempo e partilha. serão sempre especiais – luís e mariana. o meu amigo é especial. mostrou-me outro lado da vida e de mim. e como se costuma dizer. o saber não ocupa espaço. a mariana acabou de chegar ao pé dos “cotas”. mas traz com ela uma luz de mudança. acredito que irá acrescentar positividade a todos os que partilham a sua amizade – manu e mónica. passamos até aqui bons momentos. divertimo-nos imenso. mas também falamos de coisas sérias. a nossa amizade irá continuar. tenho a certeza. todos em nossa casa gostam de vocês. só espero que o telemóvel e as mensagens não avariem tantas vezes. talvez o melhor seja mudar de operadora. publicidade à parte. foi o que fiz ao mudar para a vodafone – joão e carol. talvez a amizade mais improvável. mas os astros alinharam-se. é por isso que gosto de viver. como sabem sou surpreendido várias vezes. mas adiante. vou usar as tuas palavras: vocês são confiáveis. e como uma amizade para durar precisa de confiança. foi muito bom aparecerem e conhecerem a nossa família – todos me acrescentaram alguma coisa. todos me fizeram bem. e com todos aprendi. serão mais uma luz em 2025. estou muito grato. principalmente por me aceitarem como sou. valorizarem o que tenho de melhor. e esquecerem o que há de pior. fica a promessa de continuarmos juntos o caminho em falta – este ano. vou juntar à lista mais dois amigos: pedro e inês. foi também muito bom terem aparecido na nossa vida. logo que seja oportuno. conhecerão a minha família. tenho a certeza de que irão adorar. quero o melhor para vocês. e que a vossa alegria transborde para quem partilha o vosso afeto. e. quando tiverem excesso de alegria. chamem por nós – e agora. o que resta dos meus primeiros vínculos: a minha irmã e o meu irmão. para eles e suas famílias. só posso pedir que tenham muita saúde. vocês são muito importantes para mim. para nós – são a única extensão que nos liga aos nossos pais. e como temos muito orgulho neles. fizeram a estrada. nós apenas caminhamos nela – este ano. também fica a recordação dos cem anos da mamã. se fosse viva. e. saber que. por iniciativa da minha irmã. teremos para sempre um dia por ano para juntar toda a família. é algo que me enche de orgulho – não podemos perder a essência dos nossos pais: família e bondade – aos meus amigos da praça. este ano. juntamos mais dois à mesa. e como é bom perceber que também eles envelheceram. e estão muito mais bonitos. talvez apenas menos elegantes. ao vosso lado regresso à adolescência. e volto a ser muito feliz – tiago. arménio. lúcio. pimenta. fontes. espero que o novo ano vos traga muita saúde. na nossa idade de que precisamos mais. e também que triplique os nossos encontros – para terminar. mas de forma propositalmente especial. quero falar sobre a minha companheira. para ti. amor. só posso pedir que continues a meu lado. com muita saúde. pois. se tiveres saúde. eu também tenho. nós estamos ligados um ao outro para sempre – mas também desejo que sejas mais feliz. que te sintas reconhecida por todos os que te rodeiam. e pelos amigos mais próximos. tu és a razão pelo qual este nosso castelo existe. só eu sei o quanto foste importante para tornar os nossos filhos homens de bem. mas também mais doces. és incrivelmente boa pessoa. boa mãe. esposa. filha. tu és o sol que alimenta de amor e esperança a nossa família. e o único porto seguro para os dias tempestuosos – a teu lado. sou. e sempre serei um homem realizado. não tens culpa de eu querer chegar a 2026 sem passar por 2025. é a minha forma de viver. sempre foi – a meta para este ano será sempre o lugar onde nascemos: a família. os amigos. e aqueles que nos aceitam como somos – por fim. lembrar quem nos deixou em 2024: infelizmente. perdi um amigo. sei que temos todos de partir. é a dita lei da vida. mas a saudade e as memórias permanecerão connosco. de alguma forma. é bom saber que ficou entre nós a sua companheira. que nos fará recordar todos os bons momentos de amizade que construímos – feliz ano 2025


23/12/2024

23 de dezembro de 2024





hoje é um dia muito especial. celebramos não só o aniversário da maria joão. que é a mãe dos meus filhos. mas também a vida que construímos juntos – uma vida cheia de amor. resiliência. e tantas memórias preciosas – lembro-me como se fosse ontem. era carnaval. estávamos num baile de garagem. foi ali que lhe pedi namoro – passaram-se mais de 40 anos desde aquele "sim" e no dia 21 de julho de 1984 juntamo-nos para sempre – hoje. ao olharmos um para o outro. percebemos que envelhecemos por fora. mas por dentro. o amor. permanece inalterável. mesmo com as provações que enfrentámos. subimos e descemos montanhas. enfrentamos dias em que o medo nos tirava o sono e a paz. mas nunca nos afastamos. continuamos a cumprir os votos que juramos um ao outro: na saúde e na doença. na alegria e na tristeza. na riqueza e na pobreza. e assim caminhamos. a subir e a descer imensas montanhas. mas mesmo nas mais íngremes. encontramos força um no outro para continuar – foi essa força que nos trouxe até aqui. mesmo com jornadas de muita dor. e com medo que o dia seguinte fosse ainda pior – nestes quarenta anos. esteve sempre a meu lado. nunca se queixou. guardou muitas vezes o medo para não me amedrontar mais. ergueu-me quando estava mais abatido. e curou-me com amor quando o coração se mergulhava em fel – quando conheci a maria joão acreditei que estava perante uma mulher frágil. mas como estava enganado. esta mulher que cresceu ao meu lado tornou-se forte. valente. corajosa. e hoje sei. que sem o seu amor e companheirismo nunca teria resistido a tantos momentos amargos da vida. sempre que a casa abanava. tal como sansão. abria as mãos e segurava o nosso castelo. era ali que os sonhos dos nossos filhos cresciam – hoje é um dia que é só dela. a matriarca está celebrada e é digna de todas as honras. e não podia deixar de lhe dizer que a amo. às vezes. falta-me uma palavra à altura desse sentimento. capaz de dar distância. talvez dizer-lhe que a amo daqui até vénus. que é a deusa do amor. e de vénus até aqui. onde eu a guardo – de lhe dar tonelagem. talvez dizer-lhe que o meu amor é de tal modo enorme que pesa como cem montanhas. sem contar com os beijos e abraços – também um pouco de magia. talvez dizer-lhe que sem ela a minha vida seria marte. inóspita. deserta e cinzenta. sem pássaros. sem flores. sem rios a correr para o mar. sem primaveras. sem sol. sem amendoeiras em flor. e girassóis a procurar-me todas as manhãs – construímos juntos um castelo mágico. nele guardamos o mais importante da vida: a família. os filhos. o amor. e o sonho de morrermos nos braços um do outro – com a nossa união demos vida a três rapazes fantásticos. bons. que amam como nós a verdade. o respeito. a lealdade. a bondade. o trabalho. a justiça. e a família – o que há mais importante do que a família? nada – a casa multiplicou-se. chegaram três noras. que adoramos. são agora também do nosso sangue. dois netos e meio. um casal que amamos. talvez porque fizeram de nós pais pela segunda vez. e uma carolina que chegará para maio. mês de maria. e que alegria nos vai trazer. lembrar-nos-á para sempre a avó carolina. que nos ensinou tudo sobre o valor da família – a maria joão é uma companheira fantástica. uma mãe exemplar. nós sabemos bem o preço que pagámos para que os nossos filhos conquistassem a sua liberdade. foi também uma nora especial. os meus pais adoravam-na. preferiram-na sempre em detrimento dos filhos. acompanhou-os na doença até ao último dia. sem nunca lhes negar um carinho. e um sorriso – nada do que somos teria acontecido sem ela. sempre presente. noite e dia. com uma coragem imensa. e uma bondade que nos dá o sentido certo para a vida – vivemos os últimos 15 anos inseparáveis. cada viagem. cada momento no sofá. cada noite em que mexes nos meus pés. partilhamos todos os risos e lágrimas. fundimo-nos um no outro. e o que sei mesmo. é que viveremos juntos até o último dia. porque tudo que és. tudo o que sou. tudo o que construímos juntos é a maior dádiva que podemos celebrar – que o universo ilumine com estrelas o caminho que nos falta percorrer. até ao fim dos nossos dias 

 

 

quando o inverno chegar

se me encontrares frio

aconchega-me

sussurra ao ouvido

o amor que guardas em ti

mas. se nevar

se os pássaros de ruy belo

gelarem nas árvores

se as gaivotas uivarem

se os corvos sorrirem

faz um boneco de neve

do meu tamanho

com um coração enorme

que continue a bater

e. senta-te junto a ele

conta-lhe a nossa história

diz-lhe como te amei

e como o amor nos mantém

nesta separação gelada

e quando o sol brilhar

tu… vais existir

e eu…

na luz que guarda a saudade

dir-te-ei:

vivo em ti para sempre



20/12/2024

eu. e o natal de 1969

 



 

vou contar algo que aconteceu comigo em um natal já distante: estávamos no ano de 1969. eu ainda era uma criança. e não me passaria nunca pela cabeça que este viria a ser o natal mais inesquecível de todos – apesar de várias tradições existentes no minho. o pai natal na minha casa só rompia pela chaminé à meia-noite – começava-se a fazer os preparativos para a sua chegada por volta das 23.30. dando início à recolha de um sapato por cada elemento da família. todos tinham direito a um presente – depois. eram colocados na cozinha. espalhados por tudo quanto era sítio – isto porque estávamos habituados a ter em nossa casa muitos familiares. além de alguns amigos. todos vinham consoar connosco – todos eles sabiam que o meu pai fazia deste dia um momento especial. uma verdadeira celebração de boas práticas cristãs – sendo assim. mais nada restava senão esperar pelas doze badaladas para dar início ao verdadeiro natal – este começava apenas após o papai noel despejar as prendas nos sapatinhos – naquela idade. esperar pelas doze badaladas era um verdadeiro suplício. o tempo parecia não andar. e a ansiedade crescia inversamente à tranquilidade – a alegria. essa. reinava em toda a família – a meia-noite avançava no seu vagar. para os adultos. parecia que nada de especial se passava. mas para mim era tortura – creio que só a inocência das crianças é capaz de não perceber que o papai noel não existe – afinal. quem conseguia manter a serenidade sabendo que estaria para breve a entrada em nossa casa de uma tão ilustre personalidade? eu não conseguia – apesar da angústia. o tempo caminhava devagar. os minutos pareciam demorar uma eternidade a passar. mas o tempo seguia seu curso – a meia-noite estava prestes a chegar – era o momento em que me parecia que estávamos todos no mesmo pé de igualdade. eu e os adultos fazíamos um enorme reboliço. o barulho não parava de aumentar. todos gesticulavam e gritavam uns com os outros – para mim. a maior parte das coisas era impercetível. gestos e códigos que só os crescidos pareciam entender. mas era evidente que tudo tinha a ver com a chegada do pai natal. e com a misteriosa distribuição das prendas – de repente. ouve-se uma voz na sala: está a chegar o pai natal – ó meu deus. todo eu era alegria. incapaz de caber no meu mundo ainda tão pequeno. mas bem lá no fundo. trazia comigo um medo infantil. incapaz de ser anunciado – o silêncio era agora total. apenas ouvia o meu coração eufórico e as pernas a varejar— apagavam-se as luzes da sala. apenas a iluminação do pinheiro continuava a piscar. fazendo sobressair na sua base a sagrada família – era ali que residia a força daquele dia. era nessa fé de que um dia um menino nasceu para salvar o mundo do pecado que. aos meus olhos. não restavam dúvidas era mesmo o redentor – a minha família era tão perfeita. tão genuinamente bondosa. o meu pai não parava de distribuir atenção e cuidados a todos os presentes. não podia faltar nada em cima da mesa – o bom vinho. escolhido religiosamente para este dia especial. era o ponto culminante das preocupações de um bom chefe de família – aos meus olhos. via apenas um homem feliz. com o sentimento de que tinha cumprido com as suas responsabilidades familiares e estava agora a ser recompensado. com alegria e fartura transbordando na mesa – até a minha mãe. sempre muito mais receosa do futuro. espelhava naquele dia a felicidade estampada no seu rosto – de dentro dos seus gestos brotava aquela ternura que só os filhos sabem alcançar pelo olhar. a sensatez e a lucidez davam lugar a um brilho novo – esperança e felicidade – meu irmão. mais velho dez anos. faz então um número de teatro e diz: tchchhh. e a algazarra calou-se. suavam as pancadas na porta da cozinha. violentas. para que não houvesse dúvidas de que o pai natal tinha descido pela chaminé – a meu lado. a minha irmã. para quem o natal já não tem segredos. mais velha do que o meu irmão dois anos. estava habituada as festividades natalícias dos meus pais. segurava-me o olhar. sabia que era no meu contentamento que o natal podia ter mais brilho – mais ao lado. a alegria daquela que todos os dias substituía a minha mãe nos afazeres de educar: a 'ua'. como várias gerações têm vindo a chamar carinhosamente. um diminutivo de lourdes. minha protetora até hoje. também ela estava rendida à minha felicidade. os seus olhos não se desprendiam da minha euforia inocente. todos queriam ver-me feliz. era o alvo das atenções – apesar daquela mistura de sentimentos. em cada pancada da porta vinha a esperança de que fosse a última. mas pareciam eternas. sempre aparecia mais uma. uma tortura para um catraio – finalmente. o fim das míticas doze pancadas – saía então disparado para a cozinha. na esperança de que o meu sapato estivesse repleto de prendinhas – os olhos rebentavam de alegria. era a cozinha mais bonita do mundo. as prendas subiam em pirâmides intermináveis. embrulhos por todo o lado. e a algazarra à minha volta era infernal – a minha montanha de embrulhos obrigava a várias viagens de ida e volta para os levar até o meu local de deleite – minha mãe era o pai natal lá de casa. eram dela as economias que juntava durante o ano — então. apesar de muitos embrulhos. quase todos eram roupas que. mais cedo ou mais tarde. eu iria precisar para o meu dia a dia – obviamente. truques impostos pelos orçamentos controlados. neste pacote de prendas não podiam faltar as meias e as camisolas interiores. porque na época nenhuma mãe mandava o filho para a escola sem estar bem agasalhado – mas. no meio de tantos embrulhos. lá vinha sempre um ou dois brinquedos. não eram os que eu tinha pedido na carta ao pai natal; esses eram muito caros. próprios de famílias endinheiradas. de dinheiro fácil. mas vinham uns parecidos que. no entanto. eram de uma terceira categoria. suponho que minha mãe os comprava numa 'lojeca' onde. depois de marralhar durante dez minutos. conseguia um desconto substancial – para uma criança. brinquedos são sempre tesouros. e a partir daquele momento eu já não existia para o natal familiar. refugiava-me no quarto para descobrir e desmontar aqueles que seriam os únicos brinquedos que eu teria nos próximos doze meses – estava eu entretido com a imaginação. quando irrompem pelo meu quarto dizendo que o pai natal ia voltar. tinha-se esquecido de deixar um embrulho – estive para morrer. o pai natal de volta? era sorte demais. para uma criança como eu – logo que me disseram que era uma nova visita. desatei numa correria estonteante – voltou-se a repetir todo o cenário anterior para a chegada do pai natal. fiquei novamente a ouvir as pancadas de molière. ainda mais nervoso do que da primeira vez – um embrulho enorme estava no meu sapato. creio até que era o único em toda a cozinha. rasguei o papel e os meus olhos brilharam de incredulidade e alegria – numa caixa com mil e uma cores. e um avião impresso no cartão maravilhoso. que mesmo sem sair da caixa já me fazia voar pela estratosfera – o avião era fantástico. funcionava a pilhas e era feito de chapa pintada. naquela altura não havia preocupações com brinquedos de chapa. magoava. curava com as respetivas janelas e portas. os reatores nas asas terminavam com. a sobressair uma luz vermelha e verde. que acendiam à vez. e a cauda pintada com o símbolo da tap – tudo era perfeito. ligado. fazia um zumbido que me deixava na dúvida se ia levantar voo. enquanto as luzes não paravam de acender e apagar – no terraço de minha casa. o aeroplano não parava de subir na minha imaginação. minha mãe gritava a toda a hora para que eu saísse do frio. mas o boeing não parava de piscar aquelas luzes de sonho – o avião e os sonhos deslizavam majestosamente por aquele terraço. que para mim era uma pista de aviação que me ligava ao resto do mundo – aquele avião. que nunca levantou do chão. fez-me ter o natal mais extraordinário que uma criança pode desejar. daquele terraço. parti para todo o mundo. feliz e agradecido a um pai natal que. apesar de não o ter visto. era o mais incrível do meu universo de criança com sonhos – naquela noite. dormi com os anjos. pela primeira vez tinha tido um brinquedo de 1ª categoria – tudo isto. agradeço a um amigo do meu pai que resolveu festejar o natal em nossa casa. como chegou atrasado. por culpa do pai natal de sua casa. chegou depois da meia-noite. daí termos de repetir o número do pai natal a descer a chaminé – hoje. ainda guardo um carinho pelo meu pai natal – as crianças. naquele tempo. eram enganadas com alegria. os pais eram felizes ao criar nas crianças a capacidade de ter fé. esperança e uma vontade enorme de sonhar – infelizmente. as crianças hoje quase nascem sabendo que o pai natal não existe. alguém se lembrou de que as crianças precisam de um pai natal. mesmo que a descoberta da realidade traga alguma tristeza – tenho a certeza de que as recordações daquelas noites mágicas acabam por compensar a descoberta da realidade – pobre sociedade. pobre sociedade. que apaga a luz mágica do olhar infantil. roubando-lhes a possibilidade de sonhar livremente – mas. por muito que a sociedade tente dizer que o pai natal não existe. eu só sei dizer que isso é uma grande mentira – para mim. o homem vestido de vermelho. de barba branca. barrigudo e amigo das crianças existe e existirá sempre – sei até que um dia me trouxe um avião maravilhoso. e sou até capaz de jurar que vi o seu trenó com as renas paradas no meu terraço. Nunca vi criaturas tão belas e serenas

 


10/12/2024

viagem - música






é com grande alegria que compartilho algo muito especial com os meus amigos – pela primeira vez. um poema de minha autoria ganhou vida em forma de música – agradeço profundamente a um amigo por esta alegria inesperada – espero que este seja apenas o primeiro de muitos poemas que encontrarão melodia 


 

02/12/2024

viagem

 


 



sou o que vejo

não em mim

mas nos outros

 

e o que os outros

veem em mim?

talvez o que não sou

ou então

mais do que sou por gratidão

ou por esta subtileza:

caminhar

para onde estou virado

  

mas o que sei

por ainda me tolerar

é que sou o que não se vê

invisível de mim mesmo

refém do tempo

prisioneiro das memórias

 

mas que interesse há em ser visto?

se sou o que vejo nos outros

e o que sinto?

quem vê?

apenas eu

por ser deste mundo

e suportar a certeza do ser…

por isso. lamento o vazio

do qual tento escapar

será que todos estamos errados?

ou só eu?

somos o que vemos

ou o que nasce deste ir e vir?

  

certezas?

só que a noite falece com o dia

e o dia foge da noite

e o tempo

preso na ampulheta

respira cada grão

de areia

carrega o nada

o que fomos

o que nunca seremos


e o que restará de mim

com o último grão

quando tudo acabar?

  

por isso prefiro acreditar

que todos são como eu

e eu como todos

e o que sinto é só meu?

ou talvez

a lucidez de um desatino?

 

talvez seja só meu

neste mundo de todos

sem compreender

que colorimos a vida

com nossas cores

 

se todos vissem o que eu sinto

que interesse teria?

se dentro de mim

pouca coisa faz sentido

e tudo o que sinto

é apenas dor

que se esconde no que sou

 

sou o que vejo

não em mim

e nos outros

sou o que não sou

 

com sapatos ou descalço

procuro o que sempre procurei

um outro que ande como eu

e que me diga se é desumano

ser o que vejo

 

e o que fazer

para deixar de ser o que vejo?

ser apenas eu

como nos dias

em que quero ser

e também não ser

o que vejo

e o que ninguém vê

 

sou o que ninguém vê

somos todos

todos

talvez ninguém




27/11/2024

fim da estrada

 





sei que o mais certo é falecer sem que os olhos cheguem a ver o que a juventude prometeu – mas que posso fazer? nada – resisto na terra das vontades. caminho. aproveito o que sou. e talvez por ser pouco. sou grato. e por cada dia que me é oferecido. sei que deixo outro para trás. isto é: sou a cada despertar o que fiz de mim no dia anterior – ao deixar outro para trás. carrego nos ombros não apenas o que fui. mas a ressonância das escolhas que me modelam – sou a soma dos dias. uma obra inacabada que se reescreve a cada amanhecer – agora. com a vista cansada. e a distância com medição. o que sei a cada amanhecer é que o meu passado nunca se apagará. terei que aprender a viver com as suas maldades. com as interrogações que me deixou. e com os sonhos que me roubou – quando chega a noite. e as incertezas se fazem travesseiro. e o desespero pede fuga. abrigo-me em mim. encutinho-me até desaparecer. e peço ao universo proteção – e assim. translado o corpo para o mundo da esperança. onde as memórias não alcançam. e o peso da dor se dissolve na promessa de dias melhores. mesmo nas noites intermináveis – e vou. chego como fantasma. invisível até de mim. bato à porta. e perguntam-me quem é. e respondo. sou eu. o moço que resiste no mundo das vontades. preciso de abrigo. agasalho e proteção – entro por mim adentro. e sento-me em cima da verdade. enquanto a outra parte de mim. sem medo. enorme. confiante. sem precisar de correr. livre. mesmo não sendo gaivota. tranquilo. em paz. mesmo estando preso no corpo onde um dia morreremos. aponta-me para a janela do mundo.  que não é mais de que um buraco com luz. que me suga para o cosmos das comparações. renovando-me a esperança e mostrando que. mesmo na vastidão do desconhecido. há um sentido pulsando em cada átomo. convidando-me a ser mais do que um mero espectador da luz. mas parte dela – e ali fico à procura de um propósito para ser apenas o que sou. encontrando-me. partilhando o momento com a outra parte de mim. e comtemplando o que me parece ser a felicidade. e sem a alcançar. transformo-me numa história bem-aventurada. onde tudo o que necessitava. já não me faz falta – descanso a procurar-me. a descobrir-me. a perguntar-me. porque não me escondo em mim para sempre nesta paz bem-aventurada? não me posso partir a meio. desmembrar-me. separar-me do que não gosto para ficar com o que gosto. sou o que me construí. pelo sucesso. pela dor. pela solidão. pela multidão. e a janela que deveria libertar-me. tornou-se o cárcere onde os dias se arrastam iguais – talvez culpa minha. talvez pela falta de coragem para saltar para fora do que temia. talvez por não merecer. talvez o destino que me calhou – de manhã. quando acordo e sou o que sou. e o caminho se faz de interrogações e medo. lembro-me da outra parte de mim. e atiro para trás o que sou. mesmo que atrás de mim já não exista nada para trazer para a jornada. e lembro-me que é neste mundo que tive a sorte de me carregar pelo tempo. numa medição medonha que os humanos inventaram para podermos envelhecer. e apesar de todas as rotações que já dei em volta do sol. que em calções demorava uma eternidade. e agora. tudo desaparece sem dar conta. quero muito acreditar que por alguma razão sou o que sou. tem que haver algum desígnio oculto na minha caminhada – sei que estou quase a desocupar-me da matéria. espero que outro ocupe o meu lugar no mundo. se possível na minha rua. mas que seja diferente de mim. com menos interrogações. e mais tempo para aprender. com menos medo do que não sabia. com mais vontade de correr. que seja mais escritor. também não é difícil. que escolha melhor as palavras. que saiba olhar mais para a frente e menos para trás – sei que existo nas pequenas alegrias com que fui abençoado. e também sei que a esperança só findará quando deixar de acreditar que nada foi em vão – e no dia que fizer de mim um fantasma. que aconteça sem dor. que o fim da estrada não se lembre do meu nome. que adormeça calmamente. sem saudade. sem nada do que fui. porque um homem sem nada. é um homem livre – e no final. quando o silêncio me envolver. não serei mais o prisioneiro das janelas nem o errante das noites. serei gaivota: não uma fuga. mas o voo que reconcilia céu. mar e terra. e em paz abraçar tudo o que deixei para trás. e ainda assim acreditar que o universo possa me reencarnar



08/10/2024

duas certezas

 



 

o tempo flui

como os rios pelas margens

como as gaivotas pelo vento

como as estrelas pela noite

com duas certezas

o erro

e o sucesso

e podes ser feliz pelo erro

e infeliz com o sucesso

o erro vive mais tempo

o sucesso falece rapidamente

o erro mantém-te vivo

o sucesso amaluca-te

e a vida

essa coisa que se gasta

é viagem

às vezes dever

às vezes nada

às vezes amor

às vezes pronúncio de morte

coisa de sibila

senhora das profecias

e bruxarias

todos estamos a prazo

não do erro

não do sucesso

mas do tempo

todos temos saberes ignorados

mas se soubermos procurar

no tempo certo

o relógio acerta-te

deixa a tua pegada nos outros

esquece as desilusões

vive a vida

esquece a morte

vai

procura o que não sabes

e se nada encontrares

se nada aprenderes

e tudo te parecer um equívoco

e o sucesso uma miragem

fica contigo

aceita-te

e não te esqueças

que também se morre de vergonha