04/03/2012

A4



cezanne



a noite nas mãos – escrevo – procuro nas palavras o que deus me deu de escritor. digo escritor porque não sei dizer mais nenhum nome que traga nas palavras dor e na leitura amor – inclinado. gosto do que penso. e penso: um dia terei uma palavra só minha. mais longa do que o meu nome – sou da plebe por isso duvido – fonemas? não interessa. a leitura é aconchego – escrevo – quem sabe se com a ajuda de um gnomo um dia possa ser uma folha A4. dobrada em quatro. guardada no fundo de um bolso com quatro cantos – um casaco meu – gasto pelo tempo e pela moda. sem estação. sem nenhum dia especial para dizer: vesti-o – costurado por mim. sem nome. remendado. quase trapo. a forma é-lhe dada pela cruzeta e pelo passado: cotovelos gastos. punhos esfiados. cor desbotada. tudo isto preso a um guarda-vestidos que já nada guarda – agarrados a este nada. só eu e o casaco. um quer ser escritor. o outro só quer sair à rua num corpo com profissão – casaco de escritor? já não vou a tempo – como se o casaco de um escritor guardasse a magia dos ilusionistas e. num passe de pura magia. pudesse mudar o destino de um casaco que nasceu para não ter nome – destino? quem pode mudá-lo? ninguém – não há gaivotas a sair de dentro de cartolas. só pombas – só sobreviverei nos olhos de quem guarda folhas A4 – se um dia esta gente de vento tiver sorte. dirá: desde que meti esta folha A4 no bolso a vida é uma gaivota – sempre fui gaivota. sempre fui livre. nasci assim – nesta noite de janela aberta. as minhas mãos já passaram além de taprobana – seria assim que diria camões? quero pensar que sim. afinal sou lusitano. e os lusitanos sempre gostaram de viajar. bem sei que não é uma caravela. mas é uma folha de papel A4. se apanhar vento de feição. pode muito bem dar a volta ao mundo – noite profunda. sou noite profunda – a noite nunca dorme. e encolhe a cada dia. inversamente à minha vontade de escrever. imensa




2 comentários:

  1. então escreve: porque a noite das tuas mãos é tempo sem margem. tapete de papel onde nos sentas e nos (d)escreves voos acima do finito.

    ResponderEliminar
  2. obrigado teresa - as tuas palavras-papel traz a tua voz - alegria. é assim que se escreve prosa - somos tão poucos a gostar da verdade - esta mania de escrever o ser - falo assim teresa. falo
    beijo

    ResponderEliminar