exposta no museu alemão da higiene em dresden
– não me foi possível identificar o pintor
1.
este mundo não me larga e eu não sei o que
fazer com tudo o que está dentro dele – acredito que a morte é a grande
libertação do corpo. como diz hamlet: “a morte é um sono sem sonhos” – não há na
morte nada de trágico. o destino certo de quem nasce é morrer – a morte é
também descanso. serenidade. calma. silêncio. e eu sempre gostei do silêncio
calmo – faz tempo que não tenho. nem onde deitar a cabeça. faz tempo que não
tenho um sono inteiro – o que mais me aborrece na morte é que aparece quase
sempre sem avisar. disfarçada de desastre ou doença. como se não houvesse
outras formas de levar o corpo – não gosto deste formato de levar o corpo. soa-me
a cobardia. deslealdade. traição. ninguém merece morrer assim. rápido. com o
corpo em ferida – depois da voz morrer com o corpo. sei que já não será
possível reclamar. protestar ou escrever um manifesto antimorte. falo apenas da
morte covarde – protesto em vida. bem sei que já não é uma vida plena. uma daquelas
vidas de forcado. com o barrete campino caído para sul. peito para fora. mãos
na cinta. pés a arribar. enquanto os olhos emparelham com os gestos e a voz
engrossada pela inconsciência desafia a morte. e os pés para trás e para a
frente. e o peito a arfar de força. e as mãos a fazer ranger os ossos da cinta em
sobrançaria. e o desafio sem contar o tempo por ter a certeza de que a morte só
traz glória – mas o tempo passa. mesmo que no pulso a ampulheta seja agora uma
pilha automática. capaz de fazer reverter qualquer pedaço de tempo que não seja
real. e os ponteiros girem então em sentido contrário ao do relógio. e de
repente. 2012 já não existe – estou na idade das trevas. acusado de bruxaria
por ousar fazer desaparecer o medo da morte – o medo de todos aqueles que
viveram tempo suficiente para desistir de rezar – enquanto a água benta tenta
apagar o fogo que me consome a alma. grito bem alto. para que fique cravado no
tempo que ainda há de chegar. que a morte é insolente. malcheirosa. víbora. ingrata.
sim. ingrata. porque precisa de gente viva para poder sobreviver – só há morte
porque há gente viva. e sendo assim. a morte deveria levar os corpos com
dignidade. morrer de corpo são. sem dor. sem arrependimento. sem aquela
sensação de que perdemos a vida e não somos também merecedores de uma morte
justa – o direito à vida é também o direito à morte. porque a morte faz parte
de a vida – viver deveria ter esta opção. principalmente quando percebemos que
o que fazemos é já uma subtração ao que conseguimos somar – partiríamos então
em paz e sem sermos banidos do céu. ou excomungados por uma sociedade que se
limita. na maior parte das vezes. a ver morrer – deveria ser permitido que cada
corpo escolhesse o dia da sua partida
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