.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

03/11/2016

ai




foto - sampaio rego


ai se um dia toco uma nova vida a sul. ai – talvez aí me pudésseis ver como realmente sou. doido. a gargalhar do siso. e os braços. vigorosos. fortes. decididamente amputados pela energia afirmativa numa indolência merecida – estou cada vez mais certo desta necessidade de aniquilar o que me resta da memória a norte – ai como estou certo –  a sul. existe o prometimento para um novo corpo. quem sabe com um novo nome. com outra forma de escrever. mais pausada. ponderada. precisa. justa e determinada. sem reticências. sem interrogações e sem vírgula a separar o sujeito do predicado – ai como vou ser afortunado – a vida andada a norte é uma oração complexa. dolorosa e de uma injustiça não entendível. onde as palavras que me fazem pessoa se concentram apenas na sobrevivência – um dia mais. será sempre um dia a mais – ai como isto é verdade – talvez por isso ainda aqui estou – um dia a mais. será sempre um dia a mais – ai como um dia pode fazer toda a diferença  – assim. neste dia que é hoje. sou ainda uma criatura humana. mesmo quando “não sou nada”. e sei que “nunca serei nada”“não posso querer ser nada”  apenas com mais um dia – “à parte isso. tenho em mim todos os sonhos do mundo” – nenhuma gaivota sobrevive à falta de vento – ai não sobrevive não

“Não sou nada.
 Nunca serei nada.
 Não posso querer ser nada
 À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

 A tabacaria - Álvaro de Campos, 15-1-1928





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