.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

29/11/2016

realejeiro






foto -sampaio rego



hoje acordei com uma caixa de música na cabeça – depois de um forte esforço supra-matinal lembrei-me do realejo – a questão que se curvou sobre o meu ar ensonado do antes do pequeno-almoço é saber que nome se dá ao homem que toca o realejo – nada me ocorreu na memória colectiva. recorri com a destreza possível das manhãs à memória selectiva e o resultado foi o mesmo. mais um nada – depois de farto o estômago. cansado da longa travessia do vazio da noite. com um “petit dejeuner” leve. mediterrânico pobre. pão com manteiga magra e uma meia de leite directa. esta tirada numa nespresso do famoso actor george clooney. e uma almoçadeira “xpto” com os dizeres: “breakfast” – percebi o motivo porque se fala tanto na globalização. o estrangeirismo está por todo o lado. faltou-me o financial times ao lado da tosta. e aquele ar de “self-made man” que a todo o momento arranca para o mundo dos negócios amarrado a “long cashmere coat”. “paraguas” e “petite serviette en cuir noir” – não aguentei a pressão da ignorância e abalei em busca do conhecimento. tem que haver um nome para o homem que toca o realejo – parti das premissas filosóficas do geral para o particular: - se os homens dos relógios são relojoeiros. logo os homens dos realejos são realejeiros – não me suou muito bem! há nesta palavra um paladar avinagrado. aziumado. assim… tipo iogurte fora de prazo – percebi. talvez tardiamente. que um homem que toca uma caixa de música nunca poderia ser realejeiro. impossível. esta palavra não tem dignidade. estaleca. não é arrebatadora. ninguém ouve um realejeiro por muita arte que o homem da música tenha a dar à manivela. (isto pensava eu. verão que vou mudar de ideias) – apenas os nomes simples perduram na história. manel. maria. tia alzira. tio tone. arménio. quim. sr. silva ou então um com “pedigree” . com sangue azul. um nome que só de olhar absorva toda a história dos antepassados. estou por exemplo a lembrar-me dos pauliteiros de miranda. o exemplo não podia ser melhor. o nome diz logo que estes gajos são do tempo do viriato. e os paus são apenas um pormenor. esta região tocaria outra coisa qualquer. o seu DNA é daqueles que não engana. e a música apareceria nem que fosse a bater com calhaus em latas de salsichas – pensei então que o nome mais apropriado para o homem do realejo seria realejumúsico – se este homem faz música tem toda a lógica este nome – mas a questão é saber que tipo de música o homem do realejo toca e se isso poderá influenciar o nome da sua arte – imaginei um realejeiro a tocar jazz. bem. o nome sofria logo uma mudança substancial. para cativar os aficionados do jazz o melhor seria o realejeiro chamar-se ou “realjazemúsico”. isto é. se este tivesse importado a caixa de new orleans e a música produzida pela manivela permitisse imitar a trompete do louis amestrong – depressa compreendi. que este nome ligado ao jazz era bastante castrador para os realejeiros da música popular. os ditos pimbas. e que nunca ouviram jazz – ficariam ligados a uma música influenciada pela comunidade negra. coisa que a nossa terra não está preparada. por aqui o fado ainda é que dita as regras – mas ainda há os nórdicos. os homens de cabelo loiro e olhos azuis. desgostosos com a conotação do instrumento à cultura do cabelo encarapinhado e pele escura. é certo e sabido. que este gajos emproados não iriam gostar. e o mais certo é o aparecimento de um movimento anti-realejo – estou perante um caso daqueles que em linguagem popular se pode dizer de bicudo – vou ter que ter muito cuidado com as tendências musicais. não posso castrar a clave do sol. o sol quando nasce é para todos. logo todas as tendências musicais tem que se rever neste novo nome – não sou homem para desistir de nada. mas depois de várias pesquisas “científicas” on-line. enciclopédia luso-brasileira. dicionários de várias línguas incluindo o chinês. o marroquino. romeno e o dos PALOPs. e outros meios que dispunha para levar a cabo esta espinhosa tarefa. concluí que afinal o nome que a linguística portuguesa construiu para este fazedor de música “box” é afinal um nome bem simples: o homem do realejo! abriu-se uma brecha na história para mim. posso finalmente criar um nome de um fazedor de arte musical com manivela. uma arte milenar com um novo nome para o homem criador de sons perfeitamente ligados entre si. quer isto dizer. música – este novo nome terá a dignidade que há muito tempo é devida a estes homens da música – será um nome próprio. capaz de ser sindicalizado. e suficientemente aglutinador para levar em frente a sua primeira associação de classe. suficiente forte para defender os seus interesses e capaz de lhes devolver a dignidade que nunca tiveram – estou espantado comigo. acabei de fazer uma regressão histórica. voltei às lutas dos trabalhadores do século XIX em Inglaterra. à revolução das massas. dos direitos do operariado. do movimento sindical. da conquista do salário justo. das desigualdades. enfim. a luta do proletariado contra o grande patronato – estou estarrecido. pela primeira vez faço parte da história. o meu nome será a grândola vila morena dos realejeiros. sou a revolução de uma classe – a partir de hoje o homem do realejo será o realejeiro com toda a dignidade que merece – estará ao mesmo nível dos relojoeiros. sapateiros. pistoleiros. politiqueiros – sinto-me satisfeito. não por mim que sou um insatisfeito compulsivo. sinto-me satisfeito pelos realejeiros de todo o mundo. e sei que não são poucos – mais tarde ou mais cedo a humanidade perceberá a importância dos realejeiros no desenvolvimento da arte musical neste novo mundo global – mas importante mesmo. é este acordar louco de um louco como este que vos escreve com prazer





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