onde está o interruptor deste comboio de
corda a que chamam razão – não encontro paz no que vejo – os olhos. sempre
abertos. veem com realismo o que do alto desta janela imagino – o futuro está
aqui ao meu lado. e eu sei o que não quero saber. e morro aonde outros respiram
– não há esperança para o saber. só a dúvida tem força para fazer caminho. todo
o caminho se faz caminhando – e a janela sem portadas. e os olhos. lavados pelo
vento desabam sobre uma terra que nunca foi sagrada. e os corvos bicam a única
maçã num monte de oliveiras. as almas a sorrirem. os mortos falam. as pessoas
vestem-se de preto. e a urna ergue-se como um estandarte. feita de gritos que
nunca ninguém ouviu – e o corpo a pensar se cai ou não cai na vida que não lhe
pertence. e a dor a dizer não. não e não. deixa-te ir. é do outro lado que o
sol se põe no mar. as gaivotas falam a língua dos homens. os sermões não são
aos peixes. e os tubarões estão sentados em bancos de pedra. todo o “pe” é de
pedra. de pé. de pó. de porcos. de proscritos – todo o “pe” é de dor e seu
anagrama. ror. dro. e esta palavra junta mata mais que qualquer peste negra.
ratos nos esgotos. e suor manchado de tinta preta – desta vez. serei eu a
vender o meu judas por trinta moedas. cristo não existe dentro dos infelizes –
a minha arca está cheia de pedaços de um eu que quero afogar para sempre. só aguardo
o dilúvio – um dia todos o “pes” serão sentados na balança da justiça. no
contrapeso eu e os meus pecados. na guilhotina eu e o lobo vestido com pele de
cordeiro – hoje não há história. nem lenda. nem poema. nem coisa nenhuma que as
minhas mãos queiram escrever. amo o que é meu. e o meu defeito será virtude
dentro desta luz que ainda alumia a porta dos que me entram na alma – tenho
raiva. talvez pena. mas já nem isso importa. quero que todos os machados enterrados.
e os “pe” dros cravados na porta do inferno
fernando
pessoa – “comboio de corda”
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