.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

29/09/2010

deceções e conceções e o silêncio poético








tenho um punhal guardado desde o tempo em que as pessoas lutavam por coisas de nada – abri a gaveta escondida por detrás de mim. ao lado da moela que tritura tudo o que me fazem – voltei ao passado. tempos em que o coração vivia aos saltos na boca – este músculo. que se retorce sempre que o paladar altera o tamanho das papilas gustativas. dá origem a uma explosão de irreverência linguística. crua e real – abre-se a porta ao palavrão. ao calão. às putas. aos caralhos. aos fodasses e. por último. até aparece uma puta que pariu esta merda toda – que seria de mim se voltasse a usar este punhal? – esta herança da luta contra as injustiças. lâmina que cresceu num tempo que não foi só meu. e fez de mim tudo o que sou hoje – imaginei-me a tentar matar um poema. um poema muito pequeno. quase um haikai. sem brilho. sem musicalidade. envolto em mistério. e solitário como um sem-abrigo – imaginei-me. mas já não consigo matar o quer que seja – hoje. aceito as diferenças. quer nas coisas. quer nas pessoas. são as diferenças que nos fazem especiais e dão colorido à vida – fiz a minha casa ao ar. sem o azul do céu. conservo apenas a noite para poder sonhar. encontro conforto em mim mesmo. e depois. num banco de talas geometricamente perfeito. vermelho para realçar os farrapos calvin klein. emersos em comichão da “socialite”. e falo em silêncio para uma cidade de pedra – já os rejeitados do mundo. vivem em corpos que nunca ouviram paz. compreensão. e segurança. ignoram os buracos de uma roupa que nunca foi nova. e falam para eles como se o mundo inteiro os escutasse – um grilo teimoso canta. não por si. mas por aqueles que falam em silêncio. e são tantos – canta até o romper do sol. canta até ficar sem voz e sem animo. o mundo não os ouve – num banco. um corpo silenciado teima em viver. aos seus pés. nasce uma flor de esperança. cresce entre dedos gretados pelas noites de orvalho. a vida faz-se de coisas simples – este verão. sentado defronte para o sol. sabe agora. mais vale tarde do que nunca. que necessitará de quentura para os dias frios que se avizinham. o silêncio não aquece – olha para um futuro quase terminável. a morte caminha sem tempo. e as memórias gélidas pela solidão de quem já não sabe pedir socorro – um dia. acordou com voz de criança. pensou que era um sonho. mas não. era a flor de esperança a partir em desespero. levou com ela todas as letras que um dia sonhara para fazer um ramo de cravos – e agora aqui estou. com tudo desaparecido. resta-me apenas o banco vermelho com as talas geometricamente colocadas de sul para norte. era assim que se deitava. é assim que me vou continuar a deitar. com os olhos acomodados no horizonte – desisti de matar poemas. nunca terminaria com a poesia. por muitos que matasse. haveria sempre mais a nascer nas mãos – já ninguém acredita em odes poéticas – é preciso mais. muito mais para acalmar o meu desassossego. tenho que fazer mais – pensei em matar um poeta. daqueles que fazem rimas e prosas. e que levam a pouca arte a cair-me das mãos. é então que choro de raiva. não compreendo porque a vida necessita de tantas palavras. afinal basta apenas aceitar as diferenças – os poetas estão a desaparecer. talvez por não encontrarem mais razão para juntar palavras num mundo que já não as valoriza – vivemos todos no mundo do silêncio – hoje. neste mundo de tráfego digital. que valor real existe em dar sentido às palavras – é tudo tão efémero –  esta coisa de trazer tanta coisa de um passado já é distante. sem nunca ter parado para descansar. sem nunca ter aliviado a carga a olhar para uma flor que fosse. mesmo que ainda não tivesse desabrochado. mesmo que a primavera estivesse presa no cair da folha. torna-nos indiferentes. como se apenas eu tivesse direito à vida – podia ao menos ter chorado. quando choro. não estou só. sinto a metamorfose da dor em água. só dentro da carne é visível a transformação da dor em água – por fora. que interessem têm o que está por fora? aos poucos. nascem sulcos arados pela vontade de ter uma nova oportunidade. sentir alívio. superar a dor. é preciso abrir novos caminhos pela tristeza. sentir a vida desfazer-se em água. passar pelos lábios. e deixar definitivamente o gosto acedo das profundezas da alma e. depois. pedir aos olhos para guardar a transparência da vida liquidificada. e preparar-se para viajar na imensidão do pó sem mágoa – acreditar. o que estava ao meu alcance fiz – agora. com a viagem a decorrer. fico apenas com um gelo na face. é o vento a secar a dor por detrás da carne. do tempo perdido. do erro – caio em mim. sei agora que estes poetas loucos nunca andam sós. amparam-se uns aos outros. os desgostos da vida são apenas oportunidades de escreverem sobre outras vidas. a deles é sempre pura. sem motivo para renascerem – acasalam as pernas de pau com que riscam o chão por onde passa todo o sonhador. todo o sem abrigo. todo o homem nu. mesmo levando todas as palavras capazes de florir o mundo – no chão. sem saberem. desenham a desilusão. a amargura. o fel de todas as angústias da vida. apenas da sua vida? não. levam consigo todas as vidas. e mesmo não sentindo nada do que escrevem. fazem da vida uma passagem – olhei para o punhal com os olhos consumidos pela ressurreição. fechei-o à chave. dando duas voltas e selando-o com o lacre das minhas memórias – o selo são as minhas impressões digitais – não compensa matar o que já morreu – os poetas escrevem tentando desafiar o tempo que um dia os consumirá

 


27/09/2010

torre do tombo: entre malmequeres e cometas






não consigo ver o meu branco. por mais que o tente imaginar – nem o meu tempo. que parecia escapar nas palavras que te oferecia. desejando que te tornasses meu amigo – mesmo aqueles malmequeres de pétalas brancas. que tantas vezes comprei para embelezar os sírios que acendia para alumiar a memória dos que sempre me quiseram bem. perderam a cor. e as pétalas caíram. sem nunca mais formarem uma flor – tento alcançar-me sempre que escrevo – mas continuo a acreditar que a cor dos cabelos não combina com os meus olhos – das minhas mãos. esperava muito mais. mesmo que fossem como um cometa. fugaz e distante. largando rastros de vapor pela imensidão do céu. podia sempre dizer: que chatice! este sou eu. apenas uma mistura de tons. que muitas vezes não formão cor nenhuma. apenas tonalidade mate. sem brilho. sem luz . sem racionalidade – mas há dias em que sinto tantas coisas ao mesmo tempo. como se carregasse todas as palavras do mundo. melhor ainda. há dias em que sou tudo. sou as palavras justas. aquelas que se vestem de arte para partilhar o tempo que todos os dias consumo – só que o tempo é curto. e tenho cada vez menos tempo para ser aquilo que quero ser – o tempo escapa-me. e os sonhos que queria alcançar dissolvem-se na realidade – então. talvez seja hora de me reconciliar com o que realmente sou



24/09/2010

fama









neste passeio da fama

descobri a arte da lama


se rima. é porque carrego penas

não de gaivota. mas de idiota

 

empilho palavras vazias de sentido

despejadas sem rumo ou abrigo

 

putrefação de sonhos. versos em agonia

arte ou delírio? apenas melancolia 




22/09/2010

dezembro é já aí





van gogh - homem sem esperança




amarrei na armadura que guardo por detrás dos dentes. tirei os olhos para fora. despenteei o cabelo para me parecer um pouco selvagem. e berrei tão alto que. no eco desse grito. meu amor interior se despedaçou – foi naquele instante. quando vi partir a cobiça. que algo em mim se quebrou para sempre – não sou mais o homem que fui – estas primeiras chuvas de outono. que chegam em setembro. amolecem-me – para quê este berro se o silêncio o captura – bem sei que berro para dentro. enquanto os olhos fugiram para um mundo que eu não gosto. marcharam para uma floresta que já não existe. e ali ficaram perdidos para sempre no nada – em tempos. as manhãs. eram uma corrida divertida em busca do farol. um rumo iluminado – que saudável era ter a certeza de que um dia seria o que quisesse. até talvez dono de um império intelectual – o negro. nascido e criado por mim. sobrevive todos os dias com o acordar da noite. pintando o luar de medo e sonhos adiados – é quando mando as mãos trémulas para o espaço e procuro-me sentado na lua. converso comigo à distância. e antes do sol me trazer à realidade. mergulho para casa convencido de que é minha obrigação continuar a trabalhar-me. mesmo sendo feito de osso de dinossauro – o tempo passa. as dúvidas brotam sem saber como as guardei. e morro de medo amarrado a mim – e assim fiquei até hoje. feito em medo. e sempre que o corpo falece. procuro uma poça de suor de cavalo-marinho para renascer – a violência. por mais estranha que pareça. desperta algo profundo em quem fala consigo mesmo – ela rasga o silêncio – o cavalo-marinho. com um assobio na boca. interrompe esse momento e chama a atenção de todos os idiotas: cuidado idiota. não tarda nada estás velho. olha o que te digo neste assobiar de alerta: mantém o velho fora da porta ou acabarás por apodrecer antes de faleceres – a minha resposta recorre a um quadro de vincent van gogh. com o seu quadro campo de trigo com corvos – e interrogo-me: está o mestre a pensar no trigo e os corvos servem de adorno. ou o contrário. o foco principal são os corvos e o trigo surge apenas porque em frente à janela do seu quarto há um campo de trigo? é exatamente o que acontece com a minha vida. meu coração é um campo de trigo. onde os corvos zombam do tempo – o vazio cresce à medida que o relógio se arrasta e o nada cada vez mais nada – quero continuar a acreditar que apesar do caos interno. ainda insisto em acreditar que. no fundo. a terra e o ar são apenas ornamentos de algo maior – eu preciso encontrar um propósito. mesmo quando tudo ao meu redor parece perder o sentido – para mim. o quadro de van gogh é a perfeita representação da minha vida: um reflexo sombrio de desesperança onde. apesar de tudo. os corvos continuam a desafiar o vazio com os seus voos – quando a esperança me abandona. é o coração que fica a bater. sem saber o porquê. talvez seja vício. ou apenas uma necessidade de desafiar a própria dor. quem sabe contrariar-me. mas o que sei e sinto. é que bate devagar. talvez para compensar o nada instalado – no ventríloquo direito. ligado à mente onde ainda guardo alguma esperança. as gaivotas dançam livremente no mar e no vento. como se fosse a última dança – no ventríloquo esquerdo. ligado à mente onde guardo os corvos amarrados à terra. zombam prisioneiros de suas próprias sombras – a dividir os ventríloquos um abutre chegado do corno de áfrica. traz como merenda um pedaço de gazela que se tinha cansado de correr – o abutre. mestre da desordem. é o único que conhece o destino da carne caída. e no meio do caos. mantém a ordem – a morte também alimenta a vida – para ele não importa quem faleça. se o idiota ou o mestre. vive da morte. até da morte da esperança – a gaivota que um dia foi livre já não voa mais. agora. ela observa. imóvel lê um livro de jorge reis-sá. busca um sentido para a sua própria prisão. anotando em glossas o passar do tempo do idiota e do mestre. ela sabe que os segredos desembrulham-se no fim – os corvos amputaram as asas e mergulharam no campo de trigo. suicidaram-se com a falta de imaginação – para uma história triste. um final triste: todos morreram de morte natural. reflexo do abandono da esperança – o idiota. cego pela sua busca incessante da liberdade. saltou do seu penhasco. acreditando que finalmente podia voar – talvez o único a buscar algo. mesmo que essa procura o levasse à morte – dezembro é já aí




17/09/2010

ó meu deus





ainda há quem acredite que eu tenho um nome – ó meu deus. para que precisam saber o meu nome. se habito uma caixa que só guarda o nada? o nada é a minha vida. meu refúgio – é neste vazio que procuro uma palavra que me possa salve. mesmo antiga. tristes. e abafada pelo tempo. livram-me do mal e das tentações – escondido em leituras e palavras protejo-me. só o vosso olhar penaliza a procura da redenção – bem sei que vocês serão sempre leitores. o que torna tudo mais difícil. existem também sem nome – como posso eu defender-me? se tal como eu também sois nada. só não vivem dentro de uma caixa – a escrita é uma arte de letras. capaz de assassinar um prosista ou. num instante elevá-lo ao patamar dos deuses. talvez esteja a ser um pouco exagerado. mas é no que quero acreditar – na escrita encontrei a única forma de  sobreviver à frustração. não importa se não tenho um dom divino. importa apenas transformar dor em palavras. e levar até ao papel todas as coisas belas que ainda acredito ter em mim – ó meu deus. como posso esconder-me do erro? talvez o destino me reserve uma cruz. como a de teu filho. onde serei pregado por ousar usar as mãos para reescrever o mundo e desafiar os poetas que se autoproclamaram deuses – agora tenho as mãos a correr à frente dos olhos. e descubro que o nada não existe. eu vivo nas palavras. e é por elas que serei julgado. e como sócrates aceitarei a cicuta com as mãos trémulas. a minha condenação é a minha verdade – ó meu deus. e agora que faço às palavras que me sobraram? talvez eu as deposite num envelope aberto. sem remetente nem destino. marcado apenas com as iniciais: sr. encantador de palavras. perdido. mas ainda à procura de redenção – o que sei. é que morrerei sem saber o dia em que nasci. talvez em mil novecentos e carqueja. logo após aprender as vogais – fui embalado em páginas de júlio dinis. batizado com versos de eugénio de andrade e o anjo da guarda ao peito para me proteger dos males invisíveis – assim cresci. entre palavras e sonhos. até que um lápis tomou forma em minhas mãos. tornando-se a minha espada contra o silêncio – e quando a alma doía. e as palavras me abandonavam. recitava eugénio como quem encontra redenção. segurando o destino na ponta de uma única palavra


Escrevo

Escrevo já com a noite
em casa. Escrevo
sobre a manhã em que escutava
o rumor da cal ou do lume,
e eras tu somente
a dizer o meu nome.
Escrevo para levar à boca
o sabor da primeira
boca que beijei a tremer.
Escrevo para subir
às fontes.
E voltar a nascer.

 

ó meu deus. e agora. quando as mãos forem julgadas pelos eruditos – não podes manter-te em silêncio. tu sabes as minhas motivações para escrever. serás o único que me podes castigar ou perdoar da minha falta de arte – ó meu deus. nesta fome insaciável de escrever. esqueci-me de rezar – agora. perdido nas palavras. procuro nelas a oração que a minha mãe me ensinou:

 

anjo da guarda

minha companhia

guardai a minha alma

de noite e de dia




16/09/2010

sem rosto







tentei falar com uma gaivota – ela voava em círculos. riscando o céu. como se escrevesse a sua história invisível – parecia feliz – quis explicar-lhe que também eu descanso no seu mar. onde encontro algo de mim que não sei explicar. uma espécie de refúgio e cura ao mesmo tempo – ela respondeu-me não me respondendo. continuou a voar – ao não me responder. suponho quis dizer que também é mar – continuou a voar em círculos – eu também falo em círculos. talvez pudesse falar em linha reta. mas quem me ouviria? apenas as gaivotas. aquelas que vivem do outro lado do oceano – essas. como estas. voam dentro dos meus olhos. gostam do mar como eu. e é a voar que comunicam. escrevem com as asas novos caminhos – eu também só sei comunicar assim: voando. sozinho. sem nome. sem rosto e sem ontem – é no vazio do voo que encontro tempo para dizer as coisas que nunca foram ditas – olho para as mãos e choro. há nelas tanta palavra nua. resistindo a um tempo que se tornou insuportavelmente longo para mim – quero escrever. quero dizer-vos o que sou. mas sem ver nos vossos olhos o reflexo da minha face. não quero ombros. já não quero descansar em palavras construídas para me proteger e abrigar – quero voar. a apenas escrever. escrever. escrever. quero voar com as minhas gaivotas. e dizer-vos que sampaio sou eu. aquele que escreve para preencher o vazio de uma voz que nunca encontrou som – sampaio sou eu: sem formas. sem roupa. sem caneta na mão – ainda tenho tanto para vos contar. necessito de voar livre – preso estou eu desde o dia que alguém me perguntou o nome. não sei o que respondi. talvez tenha dito: sou eu 




13/09/2010

eco








deito os olhos ao chão. sempre o faço quando tenho pudor das imagens que o meu passado me devolve – o eco – este eco nunca termina. há sempre um ontem a nascer hoje – enlouqueço. amarro o corpo a uma tábua de espinhos. preciso de me distrair com a dor. cerro os olhos. os braços já não chegam aos ouvidos. e da boca resta apenas a gengiva magoada de tanto mastigar as palavras que regurgitam – pouco resta de mim nestes dias de ecos. é como se. a cada nascer do ontem. um pedaço de mim fosse roubado – agora. os braços caíram de vez. fiquei com dois cotos presos aos ombros moribundos – eles. tal como eu. teimam em cair para a frente  arrastados pela memória – lembro-me ainda dos braços que nasceram comigo. chegavam ao chão. eram grandes. cheguei a plantar jardins. regava-os com o suor que me caía da esperança – certo dia. uma papoila apanhou-me num momento de desabafo. puxou-me suavemente. abraçou-me com as suas pétalas frágeis e choramos juntos. num silêncio profundo. e naquele instante tornámo-nos inseparáveis – amigos para sempre – nunca mais lhe falei. encostava-me ao seu caule a contar os dias que ainda me faltavam para morrer – perdeu a cor – morreu uma semana depois – ensinou-me que para se sobreviver necessitamos de ter esperança – enterrei-a virada para sul. onde o sol nunca se esconde. e as gaivotas dançam em ventos contra-alísios – cobria-a com terra. a ela e também a mim. senti-me vazio. mas também mais próximo de entender que a esperança não morre – ela e eu encontraremos esperança onde quer que estejamos – ainda hoje visito a minha casa de família. é aqui. entre paredes. que guardo memórias. encontro descanso. é aqui também que  percebo que estou vivo – ainda sou eu. ainda me falo – agora conto os dias que vivi desde a sua morte – talvez na crueldade dos números encontre esperança – talvez um dia lhe conte uma história: era uma vez um homem que procurava a vida plena – continuo a procurar a vida. sei que sou. mas ainda quero ser mais

 



07/09/2010

ainda não haviam nascido







sentei-me à beira do mar. onde a terra respira a sua pureza primitiva. e ali permaneci em silêncio. imóvel. como se aquele pedaço do mundo existisse apenas para guardar os segredos que o mar sussurra com as suas marés – nunca percebi este vai e vem da água. nunca sei o que as marés trazem. o que vem para ficar. ou o que vem buscar. sei que este movimento das marés é igual ao fluxo das ideias – chegam sem aviso. invadem a mente. como ondas zangadas. deixando marcas poderosas no pensamento. e logo retornam ao oceano. levando sempre consigo algo de mim – mas o que é do mar sempre será reclamado pelo mar – fico sempre sem saber o que fica em mim para o dia seguinte – no dia seguinte. quando já não há marés a baloiçar no meu olhar. chega-me uma braçada de ideias idiotas – quando a água fria tocou nos meus pés. deixou-me uma medusa venenosa. talvez para me meter medo. ou avisar-me que o mar também guarda os seus perigos – presa em seus tentáculos uma estrela morta. prenha de palavras que nunca foram soletradas – talvez tenha caído do alto de uma constelação e nunca mais encontrou o caminho de volta. ou então não quis voltar a brilhar. e ficou aqui para fazer parte desta terra – cravado no seu coração. o eixo imaginário que segura a terra a uma rotação que não regula coisa nenhuma – pobre estrela – deitei-me. deixei a maré subir. cobriu-me de palavras. quase todas loucas. pareciam sussurrar palavras que apenas eu compreendia. algumas tão novas que ainda não haviam nascido para o mundo. mas era com elas que teria de começar uma nova vida  – como eu desejo que todos me compreendam. e que encontrem em mim o movimento das marés que nunca para de ir e vir. levando pedaços do que sou. e trazendo novos fragmento que que quero muito aprender

 


02/09/2010

putas de palavras








hoje. com o último fio de luz que o sol teima em oferecer. descalçarei um sapato. apenas um – não por capricho. mas porque mancar é a única forma de lembrar que o desejo dói mais do que o chão áspero sob os pés – mancarei para gravar no corpo esta vontade impossível de alcançar o que nunca será meu – e que a puta da vida saiba: mesmo coxo. eu caminharei – porque mancar também é um ato de coragem – sou doido varrido – este que escreve é doido. mas escreve – escrevo qualquer coisa. qualquer loucura. palavras gordas. anoréticas. obsoletas. moribundas ou em êxtase. o que é importante é que sejam palavras. mesmo que passadas para um papel que nunca as quis – algumas tombam mortas. sufocadas pelos gritos que carregam dentro de mim. enquanto outras agonizam até o último suspiro –não me peçam piedade. não me peçam uma nova oportunidade – vocês. as palavras nobres. que sempre dizem tudo com elegância. já ocuparam todos os papéis que fui capaz de escrever – mas  entanto. o muro da minha vergonha ainda rejeita aquelas palavras do passado. feias. adúlteras e sem nexo. que apenas sabem gritar para se fazerem ouvir – putas. não vos perdoarei – se para mais nada servem. morrereis. não às minhas mãos. sereis espetadas pelo crayon deste lápis que acabei de afiar – no fim. restará apenas a aguça que fez da minha ferramenta a lança que vos trespassou – eu. louco sem saber porque. meterei a mão na aguça até que nada reste de mim – ficarei tão fino. tão frágil. que quebrarei com os primeiros frios de inverno – pois até a lança mais afiada sucumbe ao seu próprio peso quando não há mais o que perfurar – e quem sabe. dos estilhaços. nasça algo de novo