.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

16/01/2019

uma quarta-feira de 2019





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escrevo
escrevo como se as palavras fossem um avião
como se eu fosse um avião sentado numa cadeira
que voa como voam os aviões
como se tudo em mim não fosse mais do que uma massa de ar
que sustenta todo os aviões do mundo
que são parentes das gaivotas que voam como voam os aviões  

gosto de voar com as palavras
voo em volta das recordações
em volta das cadeiras
das fotos
dos amigos e dos que não são amigos
dos dias soalheiros e
das noites geladas
da solidão
e das histórias que quero contar
e mais umas quantas coisas que estão no ar e que não sei se são aviões ou ilusões
ou magia
ou coisas que tenho dentro da cabeça e que não são capazes de se ligar à terra

e as mãos a escrever noutro mundo que é aonde vivo desde que nasci
para que as palavras se formem como se formaram as crianças do meu passado
nas ruas
atrás das bolas
dos amigos e das caricas que com “triclas” correm as beiras dos passeios num desvario de alegria
éramos dezenas
éramos tantos como são hoje as palavras que escrevo
tantos como piões
como abraços e juras de que assim seria para sempre  
e os aviões a rasgar os céus como se pudessem pousar no nosso campo de futebol
bonitos
a carregar sonhos de um lado para o outro
em bicos de pés
e a criançada de braços abertos
subia ao céu
e ali ficava até ser noite

escrevo
escrevo porque quem escreve sonha e sonhar é voar
não importa o que és desde que saibas sonhar e
tenhas um par de braços para voar  
uma história para contar
ou até um abraço para dar
estendo-me pela memória de braços abertos
a fingir que sou um avião e
quando não sou avião sou gaivota  
[como se as gaivotas voassem com braços]
e grito pelo cosmo que não é mais do que o meu espaço encefálico
carregado de neurónios que querem voar

só o chão da terra corre ao contrário dos aviões
a fugir para trás
com lamentos de nunca ter aprendido a voar
há um universo das coisas que não voam
não sonham
e nem medram
tenho pavor deste universo
das suas correntes
e das palavras que ofendem por nada saberem do que voa

quando não estou a querer voar não escrevo
levanto os pés na cadeira
meto os joelhos debaixo do queijo e encutinho-me ao redor dos braços
fecho os olhos
e adormeço amarrado a um pesadelo que me leve para o fundo do mar
e morro
morro afogado nos meus sonhos

e mesmo nas mais sombrias profundezas do mar
eu sonho
sonho que voo





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