jean paul laurens
sei
que um dia tudo o que escrevo neste equilíbrio desequilibrado tombará para
dentro do meu peito – sei também que chegará o dia em que a balança pesará tudo
o que escrevi. o que ficou nas
entrelinhas e até o que pensei escrever e nunca escrevi – será o tempo da
justiça terrena – os homens. todos. os que me ocuparam o corpo e os que
passaram a meu lado. juntar-se-ão no
sínodo do cadáver e representarão o papel de deus – assim será e nada poderei
fazer. esta é a sua génese – o
passado nunca morre esquecido às mãos dos puros – sei que não será um
julgamento justo. mas quem se
importará? – eles sabem quem eu sou mas não sabem como cresci. sabem o que escrevi mas não sabem a importância
de cada palavra. sabem o que fiz mas
não sabem a razão porque o fiz – o perdão à mão do morto – quem julga define-se – haverá sempre tantas sentenças como
homens na terra – o mundo é sempre
belo para quem quer viver – sei o que sou.
o que não sou e o que gostaria de ser e que por obra do diabo. ou coisa que o valha. não fui capaz de ser – levarão então toda
a minha palavra do zero aos oitenta.
da forca à guilhotina. da bala de
prata à espada. do credo ao ato de
contrição. e o ponteiro da balança
de um lado para o outro procura os contrapesos para a ressurreição: uma palavra bonita ali. um gesto acolá. uma esmola àquele. um sorriso. um abracinho e umas quantas ninharias
que não servem para nada – querem-me enterrar sem pecado – e a balança sem
saber para que lado cair – todo o mundo vai querer equilibrar o desequilíbrio
de uma vida que não lhes pertenceu.
foi minha. só minha. e de minha escolha e responsabilidade
– finalmente o fogo do crematório fará a sua justiça salomónica. sem venda. sem espada e sem balança: o
corpo ao pó voltará – só eu conheço o caminho percorrido. só eu serei capaz de me castigar. mais ninguém – os sapatos estão no armário para quem se quiser
fazer ao caminho – sejam felizes neste dia de marte
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