.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

17/01/2019

uma quinta-feira de 2019






pintura - dyanne



[o autocarro só passa uma vez à nossa porta]

depois de uma determinada idade perder o que quer que seja é um aborrecimento e. em meu entender. deve sempre merecer a nossa melhor atenção e reflexão. se essa perda se tratar de pessoas que prezamos – podemos perder a carteira por descuido. o cartão de crédito por tontice. o carro gamado por um meliante sem escrúpulos ou a pantufa para a boca do nosso fiel amigo – todas estas coisas se podem recuperar ou em último recurso redimensionar para baixo os danos da perda – é hábito dizer que só a morte não tem solução. e é verdade – mas há uma coisa que já não dá mais para perder. falo de amigos ou mesmo apenas de pessoas que estimávamos e que. com as suas diferenças. nos ajudavam a manter a nossa saúde mental e principalmente. lustram emocionalmente a nossa passagem terrena – o que seria de nós sem amigos – mas já todos perdemos um amigo. creio que são poucos aqueles que nunca tiveram uma desilusão com alguém que estimavam – eu não sou diferente. já perdi amigos e confesso-vos que não foi nada fácil – mas são estas perdas que nos fazem valorizar aquelas que resistem ao tempo. com diferenças. com brigas e com a nossa constante adaptação ao tempo que gastamos. o envelhecimento – como diz o ditado popular os amigos veem-se no hospital e na cadeia – por mais teorias. juras. abraços. boas palavras e sorrisos de orelha a orelha só saberemos o valor de uma amizade depois de testada – é nos momentos menos bons que ficamos a saber quem realmente está connosco e dá o corpo às balas – e não raramente temos surpresas. os que pensávamos estarem connosco são os primeiros a abandonar o barco. e quando olhamos para o lado somos surpreendidos com a presença de alguém que não imaginávamos ser possível estar ao nosso pé a segurar as pontas – o que acontece é que as amizades mais antigas. fruto dos anos. acabam por cair numa rotina impostora – isto é. fruto de um conhecimento adquirido ao longo do tempo acabamos por nos desviar de nós para agradar exclusivamente aos nossos amigos – os amigos fazem o mesmo e tudo parece perfeito até que um dia a faísca acontece. a combustão lenta mina a tolerância e a lealdade. os laços desfazem-se e quando ninguém espera dá-se a explosão – lá se foram dezenas de anos por água abaixo – no passado raramente demonstrava interesse por conquistar novas amizades. achava sempre que já tinha amigos suficientes – com o tempo passei a dar mais oportunidades às amizades recentes. surgem numa fase da vida em que estamos mais sábios e mais competentes para ver além do papel embrulho – geralmente. estas novas amizades. acontecem já fruto de uma comunhão de interesses. se gostamos de futebol fazemos esse novo amigo num jogo de casados e solteiros. se gostamos de pesca fazemos o amigo a vender o seu espólio na lota e por aí adiante – são momentos fantásticos. o mundo parece-nos perfeito e estamos-lhe grato pela sua imprevisibilidade – com milhões de hipóteses para o desencontro e contra todas as estatísticas a equação deu erro e o encontro aconteceu quando menos esperávamos – e dizemos os dois: olha a sorte que tivemos. quem havia de dizer que nos haveríamos de conhecer neste lugar – e é assim mesmo. quem haveria de dizer. ninguém. mas aconteceu e estamos todos muito felizes por habitar o planeta terra – olhamos em frente e passamos a acreditar no destino: estava escrito nas estrelas. ainda bem que assim foi. estamos agradecidos por fazerem parte da nossa vida – finalmente podemos arrasar com a teoria de que é necessário andarmos todos na escola para construir um relacionamento de amigo verdadeiro baseada no respeito mútuo. na verdade. na cumplicidade e na lealdade – mas com a idade. e apesar de toda a sapiência adquirida ao longo da vida. perder uma amizade levanta outros problemas: a vida começa a escassear e pode cair por terra aquela velha máxima de que o tempo coloca tudo no seu lugar – pode muito bem não colocar já coisa nenhuma e não coloca só por falta de tempo. não coloca também por falta de paciência. já não há força e muito menos a ingenuidade e perseverança da juventude – o corpo está cansado e a mente já não tem flexibilidade ou disposição para grandes reflexões sobre o que está certo ou errado. o que pode ser desculpado e o que não tem desculpa – as atenuantes para o erro. ou para o perdão cristão. já não são levados em conta. não porque não haja atenuantes ou por não querermos perdoar e desejarmos até um mal maior em forma de pena compensatória. não. o problema não é esse. é bem mais simples do que se possa imaginar – em boa verdade. há apenas o desejo de uma nova vida. um recomeço. os limites para a tolerância alteram-se e já não há pachorra para aceitar mais do mesmo. oferecer a outra face está definitivamente fora de hipótese e que se lixe o caminho para o céu – que se dane o paraíso. o preço da entrada é demasiado alto – dobramos a curva da tolerância. deixamos de a ver. e não fazemos conta de voltar para trás para a recuperar – já não dá. estamos esgotados e sem forças para compreender os outros chegou a hora de nos compreenderem. e principalmente. de nos aceitarmos exatamente como somos – já não dá para fazer fretes – recordo aqui uma frase de clarice lispector que no meu entender resume bem a perigosidade de conceder… “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” – já entrei naquele estágio da vida em que pago para não ter aborrecimentos e. sobretudo. não ter que aturar cromos – nem tudo na idade é mau. nestas coisas de gerenciar relações a idade é um posto e quando deixamos para trás qualquer coisa já não há volta a dar – se no passado era um problema que nos tirava o sono. ficávamos tristes. os dias confundiam-se com a noite. a comida não passava. os cigarros acumulavam-se na boca e a vontade de dar dois murros no culpado eram substituídos por um murro numa porta e os dedos é que pagavam com um inchaço durante oito dias – ficávamos para morrer. e não havia forma de acabar com a depressão. aziumávamos. sentíamos-mos injustiçados. protestávamos com o mundo e connosco e só o tempo nos lavava a alma – agora. maduro. mas ainda sem estar a cair de podre. percebo que a vida é assim mesmo. todos diferentes por dentro e todos iguais por fora. é feita de perdas e ganhos. de alegrias e dissabores. de gratidão e ingratidão e de opções que não podemos nem devemos questionar porque não nos dizem respeito – cada um sabe o que é melhor para si e para os seus – as amizades podem ser negociadas. mas nunca compradas – estes são apenas contratempos que nos obrigam a reajustar a nossa entrega aos que queremos e gostamos de ter por perto – fecha-se uma porta. abre-se outra. redireciona-se o tempo para mais de mil coisas que ainda nos falta fazer. a vida pode ser inventada todos os dias. há tanta coisa ainda por fazer – por mais que nos custe. estou certo. que o melhor para todos é a arquivação das comoções. boas e más na pasta dos diversos – já não compensa a trabalheira de refazer uma relação de amizade ou apenas de cordialidade – assim faço. sempre que uma pretensa amizade me aborrece. não há papas na língua. bato a porta e siga o andor que o santo tem pressa – confesso. nem quero saber se tenho muita ou pouca razão. sei que tenho a suficiente para não me aborrecer ou maltratar-me – o importante mesmo sou eu e quem comigo caminha – o autocarro só passa uma única vez na vida. se o perdes já não há volta a dar – podes mudar de local e apanhar outro. mas já não leva o mesmo destino nem os mesmos passageiros – uma coisa eu sei. tudo que fazemos tem um preço na vida – eu pago o meu preço. a diferença em relação ao que fui em tempos idos é quero sorrir para o futuro em vez de chorar para o passado





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