j. rafael pintos lopez
olho
submeto-me ao dia de
sol
a esplanada toma a
cidade
óculos ray-ban
perna cruzada
costas no chão
onde vivem todas as
dores
pela frente
o sol e o “garçon”
reclamo atenção aos
dois
pssssssssss
um café curto como o
raio
de luz
o dia já vai longo
olho
os que não me olham
estamos todos ao mesmo
sol
finalmente o pedido
atiro-me ao café
preciso de um excitante
cafeína
com adoçante
tenho medo da diabetes
de seguida um raio de
sol
este é meu. escolhi-o
pelo sorriso
pela luz
é vida
olho
nestes dias só sei
olhar
estou fora do corpo
da roupa
da intelectualidade
dos óculos graduados
há quem pense por aqui
livros abertos
jornais enormes
revistas cor-de-rosa
todos menos eu
a diferença
mais uma vez
marginalizo-me
não sei ler com o sol
os raios queimam palavras
olho
não faço nada
sinto umas dores
vivem por detrás
às costas do que vejo
é a vida
olho
para a frente
vento ameno
olhos frágeis
ao tempo
à idade
à cidade
para onde caem os
sonhos
há sol em qualquer
canto
nos hospitais. nos asilos.
nos olhares
há sol onde há medo e
morte
é a vida
olho
cimento negro desbotado
irritado
o cão matou o marido
por ciúme
crime passional
dizem os jornais
diários
gente que cuida do que
vê
correm carros
correm pessoas
correm cafés
só mendigos permanecem
fieis a si mesmo
olho
é a vida
olho
é verão
corre o “garçon”
corre o copo
com água pelas bordas
mais uma
e é o fim da gota
mas é de equilíbrios o
“garçon”
equilibra o copo
o sorriso
no ouvido
o francês com sotaque
da porta da casa:
“un café très rapide”
de seguida o lisboeta:
“uma bica curta se faz
favor”
está com pressa
diz a boca
no olhar
no gesto
o suor
é a vida
e os olhos
dos clientes extasiados
seguram o copo como se
fosse o mundo
talvez seja
afinal somos feitos de
água
e da água não há medos
só quando os sorrisos se
afogam
no tempo
no próximo mês
depois das férias
perdem-se de todos os
raios de sol
e há tantos pelas ruas
perdidos no calor
abandonam-nos
partem para “vacances”
é a vida
olho
e os candeeiros
estáticos
agarrados às placas de trânsito
sentidos obrigatórios
obrigações impostas
rotundas que não os
deixam circular
e o polícia vestido de
pistola
acena com a mão para
dizer:
“mais rápido”
mas estamos de férias
o país está de férias
as matrículas amarelas
estão de férias
temos que andar ligeiros
é a vida
olho
o sol cai
a água do copo não
cai a cidade
não cai o “garçon”
caem os óculos ray-ban
não caem os olhos
leitores
cai o descanso
não cai a vida
ergo as costas
desdobro as pernas
levanto o corpo
olho a cidade
morta. escura
escura
vivos só eu e o "garçon"
tudo o resto fugiu
do escuro ou de medo
aproxima-se uma nuvem
talvez chova
e eu sem guarda-chuva
talvez fique aqui para
amanhã
a cidade voltará com o
sol
e o “garçon” também