.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

19/07/2010

berlinde





 




desviei o olhar para o chão. fui reconhecido por uma gaivota cinzenta do passado. sabe tudo de uma outra pessoa que tem o meu rosto – mas este corpo. que apodrece com o tempo. já não tem o mesmo passado – não sei se me quer voltar a falar ou apenas rir do que ainda sobra desse corpo. talvez as duas coisas. talvez. – se soubesse o que esta palavra representa para aqueles que não têm vida. talvez mais ninguém usasse a palavra –talvez–. talvez um qualquer idealista dono do que resta da nossa língua a proibisse – talvez amarrasse no –talvez–. a levasse para o meio do nada e a transformasse num cometa. talvez assim eu fosse levado por uma onda gigante e talvez me tornasse num peixe de olhos azuis. um peixe de aquário gigante com umas mãos ainda maiores que me acarinhassem todos os dias – mas também já não interessa. [soubessem vocês leitores. que tenho agora o mundo ao colo. chora. amarrado às raízes que são suas e minhas] tenho um berlinde que trouxe de um passado onde ainda não havia cores. é transparente. tão transparente que dá para ver todo o futuro que um dia terá que enfrentar – talvez um dia. este berlinde se torne também num peixe que sabe distinguir as cores. talvez os olhos sejam azuis esperança. talvez queira ter outro mar só para ele. outro aquário ainda maior e mais azul que o meu – mas o berlinde é tão límpido. tão redondo. tão brilhante que quando olho para ele o futuro não existe – o céu é então uma bola de fogo. onde os pavores ardem e todas as palavras que não digo. são afinal carinhos que guardo desde aquele dia que alguém me disse que tinha orgulho em mim – este talvez. faz de mim um erro. todos os dias maior. mas. talvez desta vez esteja certo. este –talvez– de um tempo que não é meu faz-me sofrer – quero morrer. morrer com todas as incertezas. com todas as dores. com todos os pasmos. morrer. apenas morrer – tenho tanto medo de perder o berlinde – é tão luminoso.



Sem comentários:

Enviar um comentário