.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

05/07/2010

conversa com cristo










trouxe cristo para o centro do meu quarto. tirei-lhe a cruz e carreguei-o com as minhas dores. segredei-lhe as desilusões e lavei-lhe os pés com as noites que passei sem dormir – jurou-me amizade para sempre. disse-lhe que não valia a pena preocupar-se comigo. bastava conversar um pouco. fazer-me um pouco de companhia. afinal. em tempos fomos amigos – com o passar dos anos deixou de aparecer. só o via em livros e em igrejas que nunca deixam falar alto. dizem que perturba o silêncio – falámos. acabámos por perder a noção do tempo. culpa dos relógios. o meu está parado há muito tempo. acabou por falhar a missa matinal das seis – não sei o que vai acontecer. aquelas beatas não costumam perdoar. e mesmo sabendo que a falha é divina acabarão a cortar na casaca – espero que não saibam que está em minha casa. já rasgaram há muito tempo o meu casacão. um de pele. que me cobre a carne mutilada – acabamos a tomar o pequeno-almoço juntos. ajudou-me a arrumar a cruz para um canto atrás da porta do quarto de arrumos. onde meto todos os desesperos que não consigo assimilar – coisas que doem apenas porque doem. assim como o amor que arde sem se ver. merdas complicadas que prefiro guardar num quarto sem janelas – falámos de tudo um pouco. ele falou do meu mundo. eu falei do dele – perguntei-lhe se um dia me podia dar o céu aqui na terra. não me respondeu – perguntei-lhe se todos os que não gostam de mim um dia viriam a gostar. pediu-me mais uma chávena de café – perguntei-lhe se um dia serei capaz de explicar aos meus sonhos o motivo porque nunca os farei reais. pediu-me um pouco mais de açúcar. percebi que a conversa estava azeda – mesmo assim. perguntei-lhe se me poderia arranjar um lugar numa cabeceira da mesa dos meus antepassados. respondeu-me que estava a fazer-se tarde. tinha medo de não chegar a tempo para um milagre que tinha sido encomendado por um gajo que ajuda à missa no bairro novo do Senhor dos Aflitos – meti a mão ao bolso e tirei trinta moedas. dei-lhas – tinha-as no bolso desde o dia em que judas foi crucificado à direita do pai. pediu-me para as entregar caso um dia eu me encontrasse com Cristo – assim fiz. entreguei-lhas em mão. tocámo-nos. apertámo-nos. por fim. olhou-me . calmamente meteu-as no bolso e saiu em direcção à porta. disse-me que tinha ouvido no rádio que se aproximava um dia de chuva. olhei para o fundo da minha chávena. restava ainda uma pergunta – olhei-o nos olhos. e questionei-o porque me chamava de filho se nunca me tinha dado um abraço – olhou para mim. respondeu que talvez fosse melhor sair pela porta de trás. não queria que ninguém o visse por ali – preparei-lhe uma merenda. e aconselhei-o a ter cuidado com os carros. andam por aí uns malucos que não respeitam coisa nenhuma. perderam a fé na vida -



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